quinta-feira, 30 de julho de 2015

Liberdade...


— Liberdade, que estais no céu...
Rezava o padre-nosso que sabia
 A pedir-te, humildemente, O pio de cada dia
Mas a tua bondade omnipotente Nem me ouvia
Liberdade, que estais na terra...
E a minha voz crescia
De emoção. Mas um silêncio triste sepultava
A fé que ressumava Da oração
 Até que um dia, corajosamente
Olhei noutro sentido, e pude, deslumbrado
 Saborear, enfim, O pão da minha fome
— Liberdade, que estais em mim
 Santificado seja o vosso nome

Miguel Torga.

terça-feira, 28 de julho de 2015

EU NÃO TE AMO MAS QUERIA.


Eu te amo, mas quero viver sozinha
Eu não te amo, mas preciso dormir com alguém
Eu te amo, mas sonho em ter outros homens
Eu não te amo, mas quero ter um filho
Eu te amo, mas não posso prometer nada
Eu não te amo, mas prefiro jantar acompanhada
Eu te amo, mas preciso fazer uma viagem
Eu não te amo, mas me cobram uma companhia
Eu te amo, mas não sei amar
EU NÃO TE AMO MAS QUERIA...


Martha Medeiros

sábado, 25 de julho de 2015

Queria ser Anjo...


Queria ser um anjo...
Ser o anjo que vela, o anjo que guarda, o anjo que protege...
Quebrar todas as barreiras elementares e ser apenas ...um anjo.
Mas não é permitido a um anjo, amar uma única pessoa
Seu amor não pode ser exclusivo
Seu amor deve ser extensivo.
 Não é permitido a um anjo chorar
Por todas as pessoas...seu pranto é exclusivo
Suas lágrimas devem regar uma por vez
As flores que brotam em cada alma...


 Que anjo posso ser? Que amor poderei dar?
 Que olhos irão me ver? A quem irei amar?

 "desconhecido"

domingo, 19 de julho de 2015

Sabedoria !!


Desde que tudo me cansa
Comecei eu a viver
 Comecei a viver sem esperança...
 E venha a morte quando Deus quiser
 Dantes, ou muito ou pouco

 Sempre esperara:
 Às vezes, tanto, que o meu sonho louco
 Voava das estrelas à mais rara; Outras, tão pouco
Que ninguém mais com tal se conformara
Hoje, é que nada espero. Para quê, esperar?
Sei que já nada é meu senão se o não tiver
Se quero, é só enquanto apenas quero
Só de longe, e secreto, é que inda posso amar
E venha a morte quando Deus quiser
Mas, com isto, que têm as estrelas?
 Continuam brilhando, altas e belas.

 José Régio,

foto Howard Schatz

quinta-feira, 16 de julho de 2015

Não se perdeu nenhuma coisa em mim...


Não se perdeu nenhuma coisa em mim.
 Continuam as noites e os poentes
Que escorreram na casa e no jardim,
 Continuam as vozes diferentes
 Que intactas no meu ser estão suspensas.
 Trago o terror e trago a claridade,
 E através de todas as presenças
Caminho para a única unidade.

 Sophia de Mello Breyner
Imagem//  Sculptures and Art                              

quarta-feira, 15 de julho de 2015

Dantes eu queria !


Dantes eu queria
 Embeber-me nas árvores, nas flores
 Sonhar nas rochas, mares, solidões
Hoje não, fujo dessa ideia louca:
Tudo o que me aproxima do mistério
Confrange-me de horror
 Quero hoje apenas
 Sensações, muitas, muitas sensações
 De tudo, de todos neste mundo — humanas
 Não outras de delírios panteístas
 Mas sim perpétuos choques de prazer
 Mudando sempre
 Guardando forte a personalidade
 Para sintetizá-las num sentir
Quero Afogar em bulício, em luz, em vozes

 — Tumultuarias [cousas] usuais — o sentimento da desolação
 Que me enche e me avassala. Folgaria De encher num dia, [...] num trago
 A medida dos vícios, ainda  mesmo
 Que fosse condenado eternamente — Loucura! — ao tal inferno
 A um inferno real

 Fernando Pessoa
foto // Kuong Leong

domingo, 12 de julho de 2015

Já não me importo...


Já não me importo
 Até com o que amo ou creio amar.
 Sou um navio que chegou a um porto
E cujo movimento é ali estar.
 Nada me resta
 Do que quis ou achei.
 Cheguei da festa
Como fui para lá ou ainda irei
 Indiferente
A quem sou ou suponho que mal sou

 Fito a gente
 Que me rodeia e sempre rodeou
 Com um olhar
Que, sem o poder ver
 Sei que é sem ar
De olhar a valer
 E só me não cansa
O que a brisa me traz
 De súbita mudança
No que nada me faz.

Fernando Pessoa

sexta-feira, 10 de julho de 2015

Vossos olhos, Senhora, que competem


Vossos olhos, Senhora, que competem
 Com o Sol em beleza e claridade,
 Enchem os meus de tal suavidade,
 Que em lágrimas de vê-los se derretem.
 Meus sentidos prostrados se submetem
 Assim cegos a tanta majestade;
 E da triste prisão, da escuridão

 Cheios de medo, por fugir remetem.
 Porém se então me vedes por acerto
 Esse áspero desprezo com que olhais
 Me torna a animar a alma enfraquecida
 Oh gentil cura! Oh estranho desconcerto!
 Que dareis c' um favor que vós não dais,
 Quando com um desprezo me dais vida?

 Luís Vaz de Camões, in "Sonetos"

quarta-feira, 8 de julho de 2015

Tua mão me protege !


Quero quando eu morra
 Tuas mãos em meus olhos
Quero a luz, quero o trigo
De tuas mãos amadas
Passar uma vez mais sobre mim
Essa doçura: sentir tua suavidade
Que mudou meu destino...

 Pablo Neruda

Sculptures and Art

segunda-feira, 6 de julho de 2015

Beijar....


Fácil é abraçar, apertar as mãos
Beijar de olhos fechados.
 Difícil é sentir a energia que é transmitida.
 Aquela que toma conta do corpo
Como uma corrente eléctrica
Quando tocamos a pessoa certa.

 Carlos Drummond de Andrade