quinta-feira, 5 de março de 2015

Amor,meu amor !


Nosso amor é impuro como impura é a luz e a água
E tudo quanto nasce e vive além do tempo.
 Minhas pernas são água, as tuas são luz
E dão a volta ao universo quando se enlaçam até se tornarem deserto e escuro.
 E eu sofro de te abraçar depois de te abraçar para não sofrer
. E toco-te para deixares de ter corpo
E o meu corpo nasce quando se extingue no teu.
 E respiro em ti para me sufocar
E  espreito em tua claridade para me cegar,
Meu Sol vertido em Lua, minha noite alvorecida.
 Tu me bebes e eu me converto na tua sede.
 Meus lábios mordem, meus dentes beijam, minha pele
Te veste e ficas ainda mais despida.
 Pudesse eu ser tu e em tua saudade
Ser a minha própria espera.
 Mas eu deito-me em teu leito
 Quando apenas queria dormir em ti
. E sonho-te Quando ansiava ser um sonho teu
. E levito, voo de semente, para em mim
Mesmo te plantar menos que flor: simples perfume,
 Lembrança de pétala sem chão onde tombar.
 Teus olhos inundando os meus e a minha vida
J,á sem leito, vai galgando margens até tudo ser mar
. Esse mar que só há depois do mar.

 Mia Couto, in "idades cidades divindades" /

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