sábado, 18 de março de 2017

Janelas do meu quarto.


Janelas do meu quarto,
Do meu quarto de um dos milhões do mundo. que ninguém sabe quem é
 ( E se soubessem quem é, o que saberiam?),
 Dais para o mistério de uma rua cruzada constantemente por gente,
 Para uma rua inacessível a todos os pensamentos,
 Real, impossivelmente real, certa, desconhecidamente certa
 Com o mistério das coisas por baixo das pedras e dos seres,
 Com a morte a por umidade nas paredes e cabelos brancos nos homens,
 Com o Destino a conduzir a carroça de tudo pela estrada de nada.
 Estou hoje vencido, como se soubesse a verdade.
 Estou hoje lúcido, como se estivesse para morrer
 E não tivesse mais irmandade com as coisas
Senão uma despedida, tornando-se esta casa e este lado da rua
 A fileira de carruagens de um comboio, e uma partida apitada
De dentro da minha cabeça,
E uma sacudidela dos meus nervos e um ranger de ossos na ida.
Estou hoje perplexo, como quem pensou e achou e esqueceu.
Estou hoje dividido entre a lealdade que devo
À Tabacaria do outro lado da rua, como coisa real por fora,
E à sensação de que tudo é sonho, como coisa real por dentro.
 Falhei em tudo.
 Como não fiz propósito nenhum, talvez tudo fosse nada.
 A aprendizagem que me deram
 Desci dela pela janela das traseiras da casa.

 (Trecho de Tabacaria, de Fernando Pessoa)

Sem comentários:

Enviar um comentário