terça-feira, 11 de agosto de 2015

Nocturno a duas vozes


— Que posso eu fazer senão beber-te os olhos
enquanto a noite não cessa de crescer?
 — Repara como sou jovem
 como nada em mim encontrou o seu cume
 como nenhuma ave poisou ainda nos meus ramos, e amo-te
 bosque, mar, constelação.
 — Não tenhas medo: nenhum rumor
 mesmo o do teu coração, anunciará a morte;
 a morte vem sempre doutra maneira
 alheia aos longos, brancos corredores da madrugada.
 — Não é de medo que tremem os meus lábios
 tremo por um fruto de lume e solidão
 que é todo o oiro dos teus olhos
 toda a luz que meus dedos têm para colher na noite.
 — Vê como brilha a estrela da manhã,
 como a terra é só um cheiro de eucaliptos
 e um rumor de água vem no vento.
 — Tu és a água, a terra, o vento
a estrela da manhã és tu ainda
. — Cala-te, as palavras doem
 Como dói um barco, como dói um pássaro ferido no limiar do dia.
Amo-te. Amo-te para que subas comigo à mais alta torre
 para que tudo em ti seja verão, dunas e mar.

 Eugénio de Andrade
foto- Adrian Line

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