quinta-feira, 30 de abril de 2015

Olha-me de novo....


Se te pareço nocturna e imperfeita
 Olha-me de novo. Porque esta noite
 Olhei-me a mim, como se tu me olhasses.
 E era como se a água desejasse.
 Escapar de sua casa que é o rio
 E deslizando apenas, nem tocar a margem.
 Te olhei.
E há um tempo.
Entendo que sou terra.
 Há tanto tempo Espero
 Que o teu corpo de água mais fraterno
 Se estenda sobre o meu. Pastor e pauta
 Olha-me de novo.
 Com menos altivez
. E mais atento


 Hilda Hilst
foto-  Oleg Holovackiy

quarta-feira, 29 de abril de 2015

Se meus olhos.....


Se meus olhos fossem
 câmaras cinematográficas
Eu não veria chuvas nem estrelas nem lua
Teria que construir chuvas,
 inventar luas, arquitectar estrelas.
Mas meus olhos são feitos de retinas,
 não de lentes, e neles cabem
Todas as chuvas estrelas lua
 que vejo todos os dias todas as noites. . .

 Caio Fernando de Abreu

terça-feira, 28 de abril de 2015

Junto ao mar...


Junto do mar, que erguia gravemente
 A trágica voz rouca, enquanto o vento
 Passava como o voo do pensamento
 Que busca e hesita, inquieto e intermitente,

 Junto do mar sentei-me tristemente,
 Olhando o céu pesado e nevoento,
 E interroguei, cismando, esse lamento
 Que saía das coisas, vagamente...

 Antero de Quental
 Foto-montagem-M.A.Brito Gomes

segunda-feira, 27 de abril de 2015

Se tu viesses ver-me à tardinha


Se tu viesses ver-me hoje à tardinha,
 A essa hora dos mágicos cansaços,
 Quando a noite de manso se avizinha,
 E me prendesses toda nos teus braços...

 Quando me lembra: esse sabor que tinha
 A tua boca... o eco dos teus passos...
 O teu riso de fonte... os teus abraços...
 Os teus beijos... a tua mão na minha...

 Se tu viesses quando, linda e louca,
 Traça as linhas dulcíssimas dum beijo
 E é de seda vermelha e canta e ri
 E é como um cravo ao sol a minha boca...
 Quando os olhos se me cerram de desejo...
 E os meus braços se estendem para ti...

 Florbela Espanca, in "Charneca em Flor"

domingo, 26 de abril de 2015

Sonho de uma Noite de Verão


Há quem diga que todas as noites são de sonhos.
 Mas há também quem garanta que nem todas, só as de verão.
 No fundo, isto não tem muita importância.
 O que interessa mesmo não é a noite em si, são os sonhos.
 Sonhos que o homem sonha sempre, em todos os lugares,
Em todas as épocas do ano, dormindo ou acordado.

 William Shakespeare
Foto-Peter Holme


sábado, 25 de abril de 2015

Motivo da Rosa


Não te aflijas com a pétala que voa
 também é ser, deixar de ser assim.
 Rosas verás, só de cinza franzida,
 mortas intactas pelo teu jardim.
 Eu deixo aroma até nos meus espinhos,
 ao longe, o vento vai falando de mim
E por perder-me é que me vão lembrando
por desfolhar-me é que não tenho fim.

 Cecília Meireles

sexta-feira, 24 de abril de 2015

25 de Abril....


...Era uma vez um país onde o pão era contado
Onde quem tinha a raíz tinha o fruto arrecadado
Onde quem tinha o dinheiro tinha o operário algemado
Onde suava o ceifeiro que dormia com o gado
Onde tossia o mineiro em Aljustrel ajustado
Onde morria primeiro
Quem nascia desgraçado....

José Carlos Ary dos Santos

quinta-feira, 23 de abril de 2015

Ausência...


Por muito tempo achei que a ausência é falta
 E lastimava, ignorante, a falta
 Hoje não a lastimo
 Não há falta na ausência
 A ausência é um estar em mim
 E sinto-a, branca, tão pegada
Aconchegada nos meus braços, que rio e danço
E invento exclamações alegres
Porque a ausência, essa ausência assimilada
Ninguém a rouba mais de mim.


 Carlos Drummond de Andrade

quarta-feira, 22 de abril de 2015

Elegância...


Linda, transparente, uma mulher maravilhosa
 Cheia de charme, elegância e muito mimosa
Fascínio de sensualidade, fêmea dengosa
Sinto um desejo enorme de abrir meu coração
Onde você já faz morada, transbordando-o de emoção
 Dizer para você mulher, que a este sentimento
Não posso dizer não...

 Sérgio o Cancioneiro
foto-Allen Parseghian

terça-feira, 21 de abril de 2015

Noite imensa....


Era uma noite apressada
Depois de um dia tão lento.
Era uma rosa encarnada/
Aberta nesse momento.
Era uma boca fechada
Sob a mordaça de um lenço
Era afinal quase nada
E tudo parecia imenso!....

 David Mourão-Ferreira

segunda-feira, 20 de abril de 2015

Noites sombrias !


Tenho tido momentos sombrios
Noites em claro, e pensamentos confusos
Há dificuldade em se decifrar sentimentos
E emoções que nos fazem,  sentir assim, tristes
E com um pequena dose de melancolia.
Às vezes precisamos de um tempo sozinhos
Para entendermos o que se passa connosco.

 Tumblr
foto-Robert Thomson

domingo, 19 de abril de 2015

Aprendi....


Aprendi que não posso exigir o amor de ninguém...
Posso apenas dar boas razões para que gostem de mim...
 E ter paciência para que a vida faça o resto...

 William Shakespeare

sábado, 18 de abril de 2015

Todas as cartas de amor são ridículas.


Todas as cartas de amor são ridículas.
 Não seriam cartas de amor se não fossem ridículas
Também escrevi em meu tempo cartas de amor,
 Como as outras, ridículas.
 As cartas de amor, se há amor,
 Têm de ser ridículas
 Mas, afinal, só as criaturas que nunca escreveram
 Cartas de amor é que são ridículas.
 Quem me dera no tempo em que escrevia
 Sem dar por isso cartas de amor ridículas
A verdade é que hoje as minhas memórias
 Dessas cartas de amor é que são ridículas
Todas as palavras esdrúxulas
 Como os sentimentos esdrúxulos
 São naturalmente ridículas.

 Álvaro de Campos

sexta-feira, 17 de abril de 2015

Quero ...ver o luar



Quero
 Nos teus quartos forrados de luar
Onde nenhum dos meus gestos faz barulho


Voltar e sentar-me um instante
 Na beira da janela contra os astros
 E olhando para dentro contemplar-te
Tu dormindo antes de jamais teres acordado

Tu como um rio adormecido e doce
 Seguindo a voz do vento e a voz do mar
 Subindo as escadas que sobem pelo ar.

 Sophia de Mello Breyner Andresen
foto-Jean Claude Sanches

quinta-feira, 16 de abril de 2015

De quem é o olhar...


De quem é o olhar
 Que espreita por meus olhos?
 Quando penso que vejo,
 Quem continua vendo

 Enquanto estou pensando?
 Por que caminhos seguem,
 Não os meus tristes passos,
 Mas a realidade
 De eu ter passos comigo ?

 Às vezes, na penumbra
 Do meu quarto, quando eu
 Por mim próprio mesmo
 Em alma mal existo,....

Fernando Pessoa
Foto-Pham Van Hanh

quarta-feira, 15 de abril de 2015

O beijo


Congresso de gaivotas neste céu
 Como uma tampa azul cobrindo o Tejo.
 Querela de aves, pios, escarcéu.
 Ainda palpitante voa um beijo.

 Donde teria vindo! (Não é meu...)
 De algum quarto perdido no desejo?
 De algum jovem amor que recebeu
 Mandado de captura ou de despejo?

É uma ave estranha:colorida
Vai batendo como a própria vida,
 Um coração vermelho pelo ar.
 E é a força sem fim de duas bocas,
 De duas bocas que se juntam, loucas!
 De inveja as gaivotas a gritar...



 Alexandre O'Neill,
foto-Claudio Ferrari  

terça-feira, 14 de abril de 2015

Um fado cantado por mim!




Para ti ,eu criarei um dia puro....


Terror de te amar num sítio tão frágil como o mundo
 Mal de te amar neste lugar de imperfeição
 Onde tudo nos quebra e emudece
 Onde tudo nos mente e nos separa.
 Que nenhuma estrela queime o teu perfil
 Que nenhum Deus se lembre do teu nome
 Que nem o vento passe onde tu passas
. Para ti eu criarei um dia puro
 Livre como o vento e repetido
 Como o florir das ondas ordenadas.

 Sophia de Mello Breyner Andresen

segunda-feira, 13 de abril de 2015

Encantei-me com as nuvens...


Encantei-me com as nuvens, como se fossem
Calmas locuções de um pensamento aberto.
 No vazio de tudo eram frontes do universo deslumbrantes
. Em silêncio via-as deslizar num gozo
 Obscuro e luminoso, tão suave na visão que se dilata
. Que clamor, que clamores mas em silêncio na brancura unânime!
 Um sopro do desejo que repousa no seio do movimento,
Que modela as formas amorosas, os cavalos,
Os barcos com as cabeças e as proas na luz que é toda sonho.
 Unificado olho as nuvens no seu suave dinamismo.
 Sou mais que um corpo, sou um corpo
Que se eleva ao espaço inteiro, à luz ilimitada.
 No gozo de ver num sono transparente
Navego em centro aberto, o olhar e o sonho.

 António Ramos Rosa

foto- Borsteinn  H. Ingibergssn 

domingo, 12 de abril de 2015

Pobre velha musica !


Pobre velha música!
 Não sei por que agrado,
 Enche-se de lágrimas
 Meu olhar parado
. Recordo outro ouvir-te
, Não sei se te ouvi
 Nessa minha infância
 Que me lembra em ti
. Com que ânsia tão raiva
 Quero aquele outrora!
 E eu era feliz?
 Não sei:
 Fui-o outrora agora.

 Fernando Pessoa, in "Cancioneiro"

sexta-feira, 10 de abril de 2015

É preciso partir é preciso chegar...



 É preciso partir é preciso chegar...
 Ah, como esta vida é urgente!
 No entanto eu gostava mesmo era de partir...
 E - até hoje - quando acaso embarco para alguma parte
 Acomodo-me no meu lugar fecho os olhos
 E sonho: viajar, viajar mas para parte nenhuma
... Viajar indefinidamente...
 Como uma nave espacial
 Perdida entre as estrelas.

 Mario Quintana

quinta-feira, 9 de abril de 2015

Só eu sinto bater-lhe o coração


Só eu sinto bater-lhe o coração
 Dorme a vida a meu lado, mas eu velo.
 (Alguém há-de guardar este tesoiro!)
 E, como dorme, afago-lhe o cabelo,
 Que mesmo adormecido é fino e loiro.
 Só eu sinto bater-lhe o coração,
 Vejo que sonha, que sorri, que vive;
 Só eu tenho por ela esta paixão
 Como nunca hei-de ter e nunca tive.
 E logo talvez já nem reconheça
 Quem zelou esta flor do seu cansaço...
 Mas que o dia amanheça
 E cubra de poesia o seu regaço!

 Miguel Torga, in 'Diário (1946)'
foto- Kristina Laki                  

Se eu viver amanhã...



..Se eu viver amanhã…
 Saberei de ti nas minhas margens
, Oceano em búzio do meu soletrar.
 Saberei de ti, salgado na minha pele,
 Saberei de ti no horizonte….Encontro
. De todos os verbos em beijos voados.
 Saberei de ti, sonho no cair do infinito
, Quando um dia o farol do universo
 Me acolheu sereno nos seus braços....

 M.Santos Alves
 Montagem foto-M A Brito Gomes


quarta-feira, 8 de abril de 2015

Melancolia...


Encostada à parede mais larga de um convento que se abatia,
 Onde ruinosas heras amparavam a escarpa das ruínas
- De braços cruzados envolvendo a sua mortalha esfarrapada,
 A melancolia fizera-a meditar até adormecer
. Os fetos comprimiam-se debaixo do seu cabelo,
 A língua verde-escura da serpente ali se encontrava
;E silenciosamente como passara lânguida e serena brisa do mar,
 Agitando-se, a folhagem longa e delgada curvou-se sobre o seu rosto
. O rosto pálido enrubesceu: o seu olhar impaciente
 Resplandeceu eloquente em sono! Intimamente elaborados
, Sons imperfeitos os seus lábios movendo-se abandonaram,
 E a sua fronte inclinada ocupou-se de agitado pensamento.
 Estranho era o sonho

- Samuel Taylor Coleridge (1772-1834)

segunda-feira, 6 de abril de 2015

CONQUISTA!!!!



Livre não sou, que nem a própria vida
 Mo consente.
 Mas a minha aguerrida teimosia
 É quebrar dia a dia
 Um grilhão da corrente.
 Livre não sou, mas quero a liberdade.
 Trago-a dentro de mim como um destino.
 E vão lá desdizer o sonho do menino
 Que se afogou e flutua
 Entre nenúfares de serenidade
 Depois de ter a lua!

 Miguel Torga

sábado, 4 de abril de 2015

A dança e a alma....


A dança? Não é movimento súbito gesto musical
 É concentração,num momento, da humana graça natural
 No solo não,no éter pairamos, nele amaríamos ficar.
 A dança-não vento nos ramos seiva,força
,Perene estar um estar entre céu e chão,
 Novo domínio conquistado,
 Onde busque nossa paixão libertar-se por todo lado...
 Onde a alma possa descrever suas mais divinas parábolas
Sem fugir a forma do ser por sobre o mistério das fábulas


Carlos Drummond de Andrade Andrade

Foto-Richard Calmes 

quarta-feira, 1 de abril de 2015

O que não fiz por ti....

 Guardarás numa caixinha o que não fiz por ti,
A mão; que não chegou à sobrancelha que nem aflorou
O beijo repetido nas palavras sem que o tacto
O multiplicasse qual se desejava.
Nessa caixa de nada não tardará
Depois a não estares só tu, a não estar só eu,
A  estarmos só os dois.

 Pedro Tamen
foto-M.A.B.Gomes