segunda-feira, 30 de março de 2015

Chave...


E de repente o resumo de tudo é uma chave
. A chave de uma porta que não abre
Para o interior desabitado no solo
Que inexiste, mas a chave existe.
 Aperto-a duramente para ela sentir
Que estou sentindo sua força de chave.
 O ferro emerge de fazenda submersa.
 Que valem escrituras de transferência de domínio
E tenho nas mãos a chave-fazenda.....

 E aperto, aperto-a, e de apertá-la, ela se entranha em mim
. Corre nas veias.
 É dentro em nós que as coisas são, ferro em brasa
 O  ferro de uma chave.

 ;Carlos Drummond de Andrade
 foto-Alastar Magnardo

Para além do vento...



A memória de ti calma e antiga
 Habita os meus caminhos solitários
 Enquanto o acaso vão oferecer os vários
Rostos da hora inimiga
 Nem terror nem lágrimas nem tempo
 Me separarão de ti
 Que moras para além do vento.

 SOPHIA DE MELLO BREYNER ANDRESEN


domingo, 29 de março de 2015

Nuvens...

Uma nuvem não sabe porque se move em tal direção.
 Sente um impulso... É para este lugar que devo ir agora.
 Mas o céu sabe os motivos e desenhos por trás de todas as nuvens,
E você também saberá, quando se erguer o suficiente
Para ver além dos horizontes.

 Richard Bach
Foto- Logan Zillmer 

sábado, 28 de março de 2015

Estar sozinha



Há Silêncio,
Gosto de te sentir, posso ouvir meu coração
Estar sozinha me tranquiliza,
Não preciso conversar ou entender
Os questionamentos dos outros
Posso apenas cuidar de mim
Escutar-me e entender-me...

. MoneCosta
foto -Pavel Tershkovets     

quinta-feira, 26 de março de 2015

Poema da Hora Ecoada


Minhas mãos - duas chamas débeis de vela unidas no mesmo destino
Minhas mãos derretidas em cera que vai escorrendo,
Gota a gota, ao longo do corpo hirto da vela moribunda
Que vai escorrendo, lenta, na calmaria falsa e densa da luz
 Delida e mortuária do meu quarto.
 E o livro de Anatomia, grave e inútil, aberto em frente.
 E todo o mundo, que me espera e desespera,
Nas páginas inúteis e graves do livro de Anatomia.
 E as horas morrendo, morrendo, como uma vela
Que se vai derretendo no quarto frio de um morto.
Ai! minhas mãos, minhas mãos -
Duas chamas débeis de vela unidas no mesmo destino! -
 Que horas serão?
A vida é uma vela de corpo hirto que se vai derretendo,
Derretendo, na calmaria falsa
E densa de um quarto de morto.

 Fernando Namora, in 'Mar de Sargaços'
foto- Eskil  Hesslroth

terça-feira, 24 de março de 2015

Musica do fogo!


Música do fogo, tu não soubeste tocar
. Lançaste sobre a minha casa um pano negro
 O que é este opaco em toda a parte?
 É o opaco que tapou o meu céu.
 O que é este silêncio em toda a parte?
 É o silencio que calou o meu canto.......

 Henri Michaux
Montagem M.A.B.GOMES

segunda-feira, 23 de março de 2015

O mesmo tango...


Os nossos corpos têm a mesma batida,
O mesmo ritmo, o mesmo tango por dentro.

 Manuel Alegre

domingo, 22 de março de 2015

Flores....


Dai-me flores, muitas flores quaisquer flores,
Logo que sejam muitas...

sábado, 21 de março de 2015

Será ???


 O que é o amor para você?
  Não sei, talvez seja apenas dividir cigarros
 Em uma noite, embriagados por vinho.
 E sentir que o mundo pode estar acabando
,Mas você continua fumando e rindo para o outro.
 Sim talvez isso seja o amor.


Ariela Venâncio

Montagem de foto-M.A Brito Gomes

sexta-feira, 20 de março de 2015

Ode ao gato


 Tu e eu temos de permeio a rebeldia que desassossega,
A matéria compulsiva dos sentidos.
 Que ninguém nos dome, que ninguém tente
Reduzir-nos ao silêncio branco da cinza
,Pois nós temos fôlegos largos de vento e de névoa
Para de novo nos erguermos
E sobre o desconsolo dos escombros,
Formarmos o salto que leva à glória ou à morte,
Conforme a harmonia dos astros
E a regra elementar do destino.

 José Jorge Letria,

Solidão...



Que minha solidão me sirva de companhia.
 Que eu tenha a coragem de me enfrentar.
 Que eu saiba ficar com o nada,
E mesmo assim, me sentir
Como se estivesse plena de tudo...

 Clarice Lispector

terça-feira, 17 de março de 2015

Deixa-me sonhar


Dorme enquanto eu velo...
 Deixa-me sonhar... Nada em mim é risonho.
 Quero-te para sonho, Não para te amar. .
 A tua carne calma, é fria em meu querer.
 Os meus desejos, são cansaços.
 Nem quero ter nos braços, meu sonho do teu ser. .
 Dorme, dorme, dorme, vaga em teu sorrir...
 Sonho-te tão atento, que o sonho é encantamento.
 E eu sonho sem sentir.

 "Fernando Pessoa"

As Chaves do Paraíso!


Há muito que já perdemos o paraíso.
 E o novo que queremos e que temos que construir
 Não se encontra no equador ou nos mares quentes do Oriente
. Ele se encontra dentro de nós mesmos.

 Hermann Hesse

sábado, 14 de março de 2015

Respiro...


Respiro o teu corpo: sabe a lua-de-água ao amanhecer,
Sabe a cal molhada, sabe a luz mordida,
Sabe a brisa nua, ao sangue dos rios,
Sabe a rosa louca, ao cair da noite
Sabe a pedra amarga, sabe à minha boca.

 Eugénio de Andrade

sexta-feira, 13 de março de 2015

Borboleta!


Uma borboleta amarela?
 Ou uma folha seca
 Que se desprendeu e não quis pousar?

 Mario Quintana

quinta-feira, 12 de março de 2015

Tudo parecia imenso...



Era uma noite apressada/ depois de um dia tão lento
 Era uma rosa encarnada/ aberta nesse momento
. Era uma boca fechada/ sob a mordaça de um lenço
 Era afinal quase nada,/ e tudo parecia imenso!...

 David Mourão-Ferreira

quarta-feira, 11 de março de 2015

No silencio ...


No silêncio que guardo
Quando partes que escondes sob os dedos
Que se prende que me deixa no corpo este calor
Da falta do teu corpo como sempre

 Maria Teresa Horta.

terça-feira, 10 de março de 2015

Brilha a luz,duma janela !



A Noite é muito escura
 É noite. Numa casa a uma grande distância
 Brilha a luz duma janela.
 Vejo-a, e sinto-me humano dos pés à cabeça.
 É curioso que toda a vida do indivíduo que ali mora
 E que não sei quem é Atraí-me só por essa luz vista de longe.
 Sem dúvida que a vida dele é real
 E ele tem cara, gestos, família e profissão...

 Alberto Caeiro, Heterónimo de Fernando Pessoa

segunda-feira, 9 de março de 2015

Meus olhos...


Se meus olhos fossem câmaras cinematográficas
Eu não veria chuvas nem estrelas nem lua,
Teria que construir chuvas, inventar luas, arquitectar estrelas.
 Mas meus olhos são feitos de retinas, não de lentes,
E neles cabem todas as chuvas, estrelas e lua
Que vejo todos os dias todas as noites. . .

 Caio Fernando de Abreu

domingo, 8 de março de 2015

Noite Longa!


Como a noite é longa
 Toda a noite é assim...
 Senta-te, ama, perto
 Do leito onde esperto
. Vem para ao pé de mim.
.. Amei tanta coisa..
 Hoje nada existe.
 Aqui ao pé da cama
 Canta-me, minha ama,
 Uma canção triste.
 Era uma princesa
Que amou... Já não sei..
. Como estou esquecido!
 Canta-me ao ouvido
 E adormecerei...
 Que é feito de tudo?
 Que fiz eu de mim?
 Deixa-me dormir,
 Dormir a sorrir
 E seja isto o fim.

 Fernando Pessoa,

sábado, 7 de março de 2015

Quando gostamos...


Só gostamos de uma mulher
Quando gostamos do seu cheiro.
 Quando tudo nos leva a bebe-la
Como um chá quente, excitante, aromático.
 Se não gostarmos do seu cheiro
Não conseguimos ama-la, nem na pele nem na alma.
 Podemos ser amigos, companheiros, nunca amantes.
 Amar é beber um cheiro.
 É transporta-lo para dentro de nós

 In: Diário dos Infiéis (João Morgado)

sexta-feira, 6 de março de 2015

Renascer...


Apesar das ruínas e da morte
Onde sempre acabou cada ilusão
 A força dos meus sonhos é tão forte
 Que de tudo renasce a exaltação
 E nunca as minhas mãos ficam vazias

 Sophia de Mello Breyner

quinta-feira, 5 de março de 2015

Amor,meu amor !


Nosso amor é impuro como impura é a luz e a água
E tudo quanto nasce e vive além do tempo.
 Minhas pernas são água, as tuas são luz
E dão a volta ao universo quando se enlaçam até se tornarem deserto e escuro.
 E eu sofro de te abraçar depois de te abraçar para não sofrer
. E toco-te para deixares de ter corpo
E o meu corpo nasce quando se extingue no teu.
 E respiro em ti para me sufocar
E  espreito em tua claridade para me cegar,
Meu Sol vertido em Lua, minha noite alvorecida.
 Tu me bebes e eu me converto na tua sede.
 Meus lábios mordem, meus dentes beijam, minha pele
Te veste e ficas ainda mais despida.
 Pudesse eu ser tu e em tua saudade
Ser a minha própria espera.
 Mas eu deito-me em teu leito
 Quando apenas queria dormir em ti
. E sonho-te Quando ansiava ser um sonho teu
. E levito, voo de semente, para em mim
Mesmo te plantar menos que flor: simples perfume,
 Lembrança de pétala sem chão onde tombar.
 Teus olhos inundando os meus e a minha vida
J,á sem leito, vai galgando margens até tudo ser mar
. Esse mar que só há depois do mar.

 Mia Couto, in "idades cidades divindades" /

quarta-feira, 4 de março de 2015

Tempestade da minha imaginação....


Tudo se me evapora
. A minha vida inteira, as minhas recordações,
A minha imaginação... E o que contém
A, minha personalidade, tudo se me evapora
. Continuamente sinto que fui outro,
Que senti outro, que pensei outro
. Aquilo a que assisto é um espectáculo com outro cenário
. E aquilo a que assisto sou eu.

 Fernando Pessoa

terça-feira, 3 de março de 2015

Sonho de amor...



Autêntico Sonho de Amor Orgulho, vaidade, despeito, rancor, tudo passa, Se verdadeiramente o homem tem dentro de si um autêntico sonho de amor. Essas pequenas misérias são fatais apenas no começo, na puberdade, Quando se olha uma janela e se desflora quem está lá dentro. Depois, não. Depois, sofre-se é pelo homem, é pela estupidez colectiva, É por não se poder continuar alegremente num mundo povoado, E se desejar um deserto de asceta. O ascetismo é a desumanização, É o adeus à vida, e é duro ser uma espécie de fantasma Da cultura cercado de areias

. Miguel Torga, in "Diário (1948)"

segunda-feira, 2 de março de 2015

Junto ao mar..





Junto do mar, que erguia gravemente
 A trágica voz rouca, enquanto o vento
 Passava como o voo do pensamento
 Que busca e hesita, inquieto e intermitente,
 Junto do mar sentei-me tristemente,
 Olhando o céu pesado e nevoento,
 E interroguei, cismando, esse lamento
 Que saía das coisas, vagamente...

 Antero de Quental

domingo, 1 de março de 2015

Iluminando



Ao Vento de um Horizonte distante
Queria poder voar
 Para chegar até ás estrelas e trazer o seu brilho
Para que o mundo não ande na escuridão.

 Ladson Santos Lima