terça-feira, 27 de dezembro de 2016

Passagem do Ano...


O último dia do ano
 Não é o último dia do tempo.
 Outros dias virão
 E novas coxas e ventres te comunicarão o calor da vida.
 Beijarás bocas, rasgarás papéis,
Farás viagens e tantas celebrações
De aniversário, formatura, promoção
 glória, doce morte com sinfonia
 E coral
 Que o tempo ficará repleto e não ouvirás o clamor
 Os irreparáveis uivos
 Do lobo, na solidão.
 O último dia do tempo
Não é o último dia de tudo.
Fica sempre uma franja de vida
 Onde se sentam dois homens.
 Um homem e seu contrário
 Uma mulher e seu pé
 Um corpo e sua memória
 Um olho e seu brilho
 Uma voz e seu eco.
E quem sabe até se Deus...
Recebe com simplicidade este presente do acaso
 Mereceste viver mais um ano...

Carlos Drummond de Andrade 

quinta-feira, 22 de dezembro de 2016

Sissel Kyrkjebø - Sancta Maria - 2005



Até um ateu dos "quatro costados"
 ficará com dúvidas
sobre a não existência de Deus,
durante estes três minutos e meio.

 Festas felizes para todos

 ateus, agnósticos, crentes e afins.

quinta-feira, 15 de dezembro de 2016

NATAL....


Natal... Na província neva.
 Nos lares aconchegados,
 Um sentimento conserva
 Os sentimentos passados

. Coração oposto ao mundo
 Como a família é verdade!
 Meu pensamento é profundo
 Estou só e sonho saudade.

 E como é branca de graça
 A paisagem que não sei,
 Vista de trás da vidraça
 Do lar que nunca terei!

 (Fernando Pessoa)

sexta-feira, 9 de dezembro de 2016

Retábulo (1954)


Estranho Menino Deus é o dum poeta!
 O que nasce e renasce há muitos anos
 Na minha noite de Natal, fingida
 Mal corresponde à imagem conhecida
 Das sucursais do berço de Belém
. É uma criança tímida que vem
 Visitar os meus sonhos, e, ao de leve
Com mãos discretas, tece
 Um poema de neve
 Onde depois se deita e adormece.

Miguel Torga
foto-google

sábado, 3 de dezembro de 2016

Chantal Chamberland - Besame Mucho

Mistério


Gosto de ti, ó chuva, nos beirados,
 Dizendo coisas que ninguém entende!
 Da tua cantilena se desprende
Um sonho de magia e de pecados
 Dos teus pálidos dedos delicados
 Uma alada canção palpita e ascende
 Frases que a nossa boca não aprende
 Murmúrios por caminhos desolados.
 Pelo meu rosto branco, sempre frio
Fazes passar o lúgubre arrepio

 Das sensações estranhas, dolorosas…
 Talvez um dia entenda o teu mistério…
Quando, inerte, na paz do cemitério
O meu corpo matar a fome às rosas!

 Florbela Espanca
foto-google

terça-feira, 29 de novembro de 2016

MEUS VERSOS DE DOR



 De onde me vem esta dor cortante?
 Que de mim não tem pena
 E me dói a todo instante
 Como se vivesse em meus poemas
 De onde me vem esta lágrima que não choro?
No fundo do poço, não vejo mais jeito
 Eu rezo, eu peço e quase imploro
Tentando calar essa dor que grita em meu peito
 De onde me vem esse sopro de desesperança?
 Dizendo a mim mesma o que eu nego
Ferindo, quebrando o meu ego
 Sorriso de dor, chorando lembranças

By: Versos e Rimas da Alma

domingo, 27 de novembro de 2016

Morrerei....


Era uma vez duas vezes.
 E como nunca há duas sem três, algum castigo tens guardado para mim.
 Não sei se me roubarás os livros, se me esconderás os melros, se me negarás os beijos.
 Alguma coisa destas tu farás.
 Podes roubar-me os livros.
 Hei-de recuperá-los, verso a verso, como a aranha que reconstrói a teia
 como o pensamento que reconstrói a ideia
 como o vento que reconstrói a areia.
 Podes esconder-me os melros.
 Saberei cantar.
Darei asas à minha esperança
 para a ver poisar em todos os verdes
 brilhar em todos os muros, debicar todos os desejos.
 Não me negues os beijos.
 Morrerei de fome.
 E de sede
. E de saudade
 Morrerei de te ver e não te ter.
 Morrerei de não morder a tua boca.
 Morrerei de não viver
. Morrerei.

 Joaquim Pessoa

quinta-feira, 24 de novembro de 2016

O Anel de Vidro


Aquele pequenino anel que tu me deste
 — Ai de mim —
era vidro e logo se quebrou
 Assim também o eterno amor que prometeste
 Eterno! era bem pouco e cedo se acabou.
 Frágil penhor que foi do amor que me tiveste
Símbolo da afeição que o tempo aniquilou
 Aquele pequenino anel que tu me deste
 — Ai de mim — era vidro e logo se quebrou
 Não me turbou, porém, o despeito que investe
 Gritando maldições contra aquilo que amou.
 De ti conservo no peito a saudade celeste
 Como também guardei o pó que me ficou
 Daquele pequenino anel que tu me deste

Manuel Bandeira

quarta-feira, 16 de novembro de 2016

Foi par ti...


Foi para ti que desfolhei a chuva
para ti soltei o perfume da terra toquei
no nada e para ti foi tudo
Para ti criei todas as palavras
e todas me faltaram no minuto
em que talhei o sabor do sempre

 Para ti dei voz às minhas mãos
abri os gomos do tempo assaltei o mundo
e pensei que tudo estava em nós
nesse doce engano de tudo sermos donos

sem nada termos simplesmente porque era de noite
e não dormíamos..  eu descia em teu peito para me procurar
e antes que a escuridão nos cingisse a cintura
ficávamos nos olhos vivendo de um só
amando de uma só vida


 Mia Couto 

domingo, 13 de novembro de 2016

Além da Lenda...


Sendo Lenda
 posso brincar na sua alegria
 ser parte da sua emoção
 e caminhar, tranquila, pela sua ilusão...
Sendo Lenda, posso escrever
meu nome em sua vida
 e me instalar no aconchego do seu coração
 como uma sensação chegando pelo perfume do ar...
 Sendo Lenda
posso ser parte de você
 sem você perceber...

Débora Bottcher

domingo, 6 de novembro de 2016

O som do Silencio

Neurastenia


Sinto hoje a alma cheia de tristeza!
 Um sino dobra em mim Ave-Maria!
 Lá fora, a chuva, brancas mãos esguias,
 Faz na vidraça rendas de Veneza ...
 O vento desgrenhado chora e reza
 Por alma dos que estão nas agonias!
 E flocos de neve, aves brancas, frias
 Batem as asas pela Natureza

 ... Chuva ... tenho tristeza!

Mas porquê?! Vento ... tenho saudades!
Mas de quê?! Ó neve que destino triste o nosso!
 Ó chuva! Ó vento! Ó neve! Que tortura!
 Gritem ao mundo inteiro esta amargura
 Digam isto que sinto que eu não posso!! ...

 Florbela Espanca,

terça-feira, 1 de novembro de 2016

Perdi meus fantásticos castelos


Perdi meus fantásticos castelos
 Como névoa distante que se esfuma...
 Quis vencer, quis lutar, quis defendê-los:
 Quebrei as minhas lanças uma a uma!
 Perdi minhas galeras entre os gelos
 Que se afundaram sobre um mar de bruma... -
Tantos escolhos! Quem podia vê-los?
– Deitei-me ao mar e não salvei nenhuma!
 Perdi a minha taça, o meu anel,
 A minha cota de aço, o meu corcel,
 Perdi meu elmo de ouro e pedrarias...
 Sobem-me aos lábios súplicas estranhas...
 Sobre o meu coração pesam montanhas...
 Olho assombrada as minhas mãos vazias...

 Florbela Espanca,

sexta-feira, 28 de outubro de 2016

ESTRELA...


Que a Tua estrela nos encontre disponíveis
 para a viagem mesmo sem que percebamos tudo
 Que o seu brilho nos torne pacientes
Com as coisas não resolvidas do nosso coração
E nos ajude a amar as difíceis questões
 Que por vezes a noite, por vezes o dia
Segredam pelo tempo fora
 Que a tua estrela nos faça reconhecer
 Que nunca é tarde Para que se tornem
 de novo ágeis e sonhadores
 Os nossos passos cansados
 Pois nós próprios nos tornamos em estrelas
 Quando arriscamos perpetuar
 A Tua luz multiplicada

 José Tolentino Mendonça

domingo, 23 de outubro de 2016

Lição de vida...


Um velho cherokee dava lições de vida aos seus netos.
 Disse-lhes: “Está se travando uma luta dentro de mim.
 Luta terrível, entre dois lobos.
 Um é o medo, a cólera, a inveja, a tristeza, o remorso,
 a arrogância a auto-piedade, a culpa, o ressentimento,
 a inferioridade e a mentira.

O Outro é a paz, a esperança, o amor, a alegria,
 a delicadeza, a benevolência, a amizade,
 a empatia, a generosidade, a verdade, a compaixão e a fé.

A mesma luta está se travando dentro de vocês e de todas as outras pessoas…
” As crianças puseram-se a refletir sobre o assunto e uma delas perguntou ao avô: ”
 Qual dos lobos vencerá?”
 O ancião respondeu: ” Aquele que for alimentado…”

Índios Cherokee

segunda-feira, 17 de outubro de 2016

Até amanhã.


Aqui estão as mãos.
São os mais belos sinais da terra.

Os anjos nascem aqui: frescos, matinais
 quase de orvalho, de coração alegre e povoado.
Ponho nelas a minha boca, respiro o sangue
o seu rumor branco, aqueço-as por dentro
 abandonadas nas minhas, as pequenas mãos do mundo.
 Alguns pensam que são as mãos de Deus

Eu sei que são as mãos de um homem
 trémulas barcaças onde a água, a tristeza
 e as quatro estações penetram, indiferentemente.
 Não lhes toquem: são amor e bondade.
 Mais ainda: cheiram a madressilva.
 São o primeiro homem, a primeira mulher.
 E amanhece.

 Eugénio de Andrade, in "Até Amanhã"

 Artista, Corry Kamille

quinta-feira, 13 de outubro de 2016

Eu sou a terra...



Eu sou a terra, eu sou a vida.
 Do meu barro primeiro veio o homem.
 De mim veio a mulher e veio o amor
. Veio a árvore, veio a fonte.
Vem o fruto e vem a flor.

 Eu sou a fonte original de toda vida.
 Sou o chão que se prende à tua casa.
Sou a telha da coberta de teu lar.
 A mina constante de teu poço.
Sou a espiga generosa de teu gado
 e certeza tranquila ao teu esforço.

 Sou a razão de tua vida.
De mim vieste pela mão do Criador
 e a mim tu voltarás no fim da lida.
 Só em mim acharás descanso e Paz.
 Eu sou a grande Mãe Universal.
 Tua filha, tua noiva e desposada.
A mulher e o ventre que fecundas.
Sou a gleba, a gestação, eu sou o amor.


Cora Coralina

domingo, 2 de outubro de 2016

É isto o amor


 Em quem pensar, agora, senão em ti?
Tu, que me esvaziaste de coisas incertas, e trouxeste a manhã da minha noite.
É verdade que te podia dizer:
«Como é mais fácil deixar que as coisas não mudem
sermos o que sempre fomos, mudarmos apenas dentro de nós próprios?
 Mas ensinaste-me a sermos dois; e a ser contigo aquilo que sou
até sermos um apenas no amor que nos une, contra a solidão que nos divide.
Mas é isto o amor: ver-te mesmo quando te não vejo
ouvir a tua voz que abre as fontes de todos os rios
mesmo esse que mal corria quando por ele passámos
subindo a margem em que descobri o sentido de irmos contra o tempo
para ganhar o tempo que o tempo nos rouba.
Como gosto, meu amor, de chegar antes de ti
para te ver chegar: com a surpresa dos teus cabelos
e o teu rosto de água fresca que eu bebo, com esta sede que não passa.
Tu: a primavera luminosa da minha expectativa
a mais certa certeza de que gosto de ti, como gostas de mim
até ao fim do mundo que me deste.

 Nuno Júdice, in 'Pedro, Lembrando Inês'

segunda-feira, 26 de setembro de 2016

Perdoa-me folha seca !


Perdoa-me, folha seca, não posso cuidar de ti.
Vim para amar neste mundo, e até do amor me perdi.
 De que serviu tecer flores pelas areias do chão
 se havia gente dormindo sobre o próprio coração?
 E não pude levantá-la!
 Choro pelo que não fiz.
 E pela minha fraqueza é que sou triste e infeliz.
Perdoa-me, folha seca!
Meus olhos sem força estão velando
 e rogando aqueles que não se levantarão...
 Tu és folha de outono voante pelo jardim.
Deixo-te a minha saudade - a melhor parte de mim.
E vou por este caminho, certa de que tudo é vão.
 Que tudo é menos que o vento, menos que as folhas do chão...

 Cecília Meireles

sexta-feira, 16 de setembro de 2016

A Voz que Nos Rasgou por Dentro.


 De onde vem - a voz que nos rasgou por dentro
que trouxe consigo a chuva negra do outono
que fugiu por entre névoas
e campos devorados pela erva?
 Esteve aqui — aqui dentro de nós
como se sempre aqui tivesse estado
e não a ouvimos, como se não nos falasse
desde sempre, aqui, dentro de nós.
E agora que a queremos ouvir
como se a tivéssemos reconhecido outrora
 onde está? A voz que dança de noite, no inverno
 sem luz nem eco, enquanto segura pela mão
o fio obscuro do horizonte.
 Diz: "Não chores o que te espera
 nem desças já pela margem do rio derradeiro.
 Respira, numa breve inspiração
 o cheiro da resina, nos bosques
 e o sopro húmido dos versos
 Como se a ouvíssemos.

 Nuno Júdice

sexta-feira, 9 de setembro de 2016

As pombas

 Vai-se a primeira pomba despertada ...
 Vai-se outra mais ... mais outra ...
 enfim dezenas
 De pombas vão-se dos pombais, apenas
 Raia sanguínea e fresca a madrugada ...
 E à tarde, quando a rígida nortada
Sopra, aos pombais de novo elas, serenas,
 Ruflando as asas, sacudindo as penas,
 Voltam todas em bando e em revoada...
 Também dos corações onde abotoam,
 Os sonhos, um por um, céleres voam,
Como voam as pombas dos pombais;
 No azul da adolescência as asas soltam,
 Fogem... Mas aos pombais as pombas voltam,
 E eles aos corações não voltam mais...

Raimundo Correia
imagem google

domingo, 4 de setembro de 2016

Timidez


Basta-me um pequeno gesto
 feito de longe e de leve
 para que venhas comigo
 e eu para sempre te leve…

 - mas só esse eu não farei.

Uma palavra caída das montanhas
 dos instantes desmancha todos os mares
 e une as terras mais distantes… -

palavra que não direi.

 Para que tu me adivinhes,
 entre os ventos taciturnos
, apago meus pensamentos
 ponho vestidos nocturnos

, - que amargamente inventei.

E, enquanto não me descobres
 os mundos vão navegando
 nos ares certos do tempo
, até não se sabe quando

… e um dia me acabarei.

 Cecília Meireles


sexta-feira, 2 de setembro de 2016

Enya - Only Time (Official Music Video)

Foto desbotada...


Se tu e eu, com o tempo
 nos tornarmos uma foto desbotada
 então tu não podes deixar que isso aconteça
 pega as cores da tua alma e com o marcador da tua mente
 dá cor a esta magia, pela vida
e mais uma vez, a esta emoção...

 De: "Lela zanutta", lelouch, a dama do lago

domingo, 21 de agosto de 2016

Partir...



(...) é preciso partir é preciso chegar Ah, como esta vida é urgente! ...
no entanto eu gostava mesmo era de partir
... e - até hoje - quando acaso embarco para alguma parte
 acomodo-me no meu lugar fecho os olhos
 e sonho: viajar, viajar mas para parte nenhuma
... viajar indefinidamente... como uma nave espacial
 perdida entre as estrêlas

Mário Quintana
Imagem-Le-Dernier



terça-feira, 9 de agosto de 2016

Retrato...


Eu não tinha este rosto de hoje
assim calmo, assim triste, assim magro
 nem estes olhos tão vazios, nem o lábio amargo.
 Eu não tinha estas mãos sem força, tão paradas
 e frias e mortas; eu não tinha
 este coração que nem se mostra.
 Eu não dei por esta mudança
 tão simples, tão certa, tão fácil
 Em que espelho ficou perdida a minha face?

 Cecília Meireles
imagem-google

quarta-feira, 3 de agosto de 2016

Tuas palavras...


Tuas palavras antigas
 Deixei-as todas, deixei-as
,Junto com as minhas cantigas
Desenhadas nas areias.

 Tantos sóis e tantas luas
 Brilharam sobre essas linhas
Das cantigas — que eram tuas
Das palavras — que eram minhas!

 O mar, de língua sonora
Sabe o presente e o passado
Canta o que é meu, vai-se embora:
Que o resto é pouco e apagado.

 Cecília Meireles

quinta-feira, 28 de julho de 2016

Anseios insaciáveis...


Sou feita de caminhos indecifráveis
 Confidências inconfidentes
 Anseios insaciáveis
 Sonhos inalcansáveis e amores infindáveis
 De uma substância rara, com uma pitada de flor
 Cheirinho suave, e intensidade de amor
 Na maioria das vezes você não vai me entender
 Meu coração tem razões que a própria razão ainda não compreende
 Talvez sejam longes demais os caminhos
 por onde vagueia minha mente além daquilo
 o que os teus olhos podem alcançar
 Porque eu ainda busco o infinito
 ainda perco tempo a viajar
 Definitivamente, não me poderás entender
 Eu ainda sorrio em olhar as estrelas
E isso tudo é surreal demais para ti
Apenas aceita-me e me ama
 contenta-te em me fazer feliz !

 Agny Tayná Mota

quarta-feira, 27 de julho de 2016

Hoje de manhã saí muito cedo.



Hoje de manhã saí muito cedo,
 Por ter acordado ainda mais cedo
 E não ter nada que quisesse fazer... Não sabia que caminho tomar
 Mas o vento soprava forte, varria para um lado,
 E segui o caminho para onde o vento me soprava nas costas.
 Assim tem sido sempre a minha vida,
e Assim quero que possa ser sempre -- Vou onde o vento me leva e não me
 Sinto pensar.

 Alberto Caeiro

sexta-feira, 22 de julho de 2016

De longe te hei-de amar


De longe te hei-de amar
da tranquila distância em que o amor é saudade
 e o desejo, constância.
 Do divino lugar onde o bem da existência
 é ser eternidade e parecer ausência.
 Quem precisa explicar o momento e a fragrância da rosa
 que persuade sem nenhuma arrogância?
 E, no fundo do mar, a estrela, sem violência
 cumpre a sua verdade, alheia à transparência.

 Cecília Meireles

quarta-feira, 13 de julho de 2016

Os meus sonhos...


Contemplo o lago mudo
 Que uma brisa estremece.
 Não sei se penso em tudo
 Ou se tudo me esquece.
 O lago nada me diz,

 Não sinto a brisa mexê-lo
 Não sei se sou feliz

 Nem se desejo sê-lo.
 Trémulos vincos risonhos
 Na água adormecida.
 Por que fiz eu dos sonhos

A minha única vida?

 Fernando Pessoa, 4-8-1930

sexta-feira, 8 de julho de 2016

Andei pelos caminhos da vida...


Andei pelos caminhos da Vida.
 Caminhei pelas ruas do Destino procurando meu signo.
 Bati na porta da Fortuna,
 mandou dizer que não estava.
Bati na porta da Fama, falou que não podia atender
Procurei a casa da Felicidade,
 a vizinha da frente me informou
 que ela se tinha mudado sem deixar novo endereço.
Procurei a morada da Fortaleza.
 Ela fez- me entrar: deu-me vestes novas
 perfumou-me os cabelos, fez-me beber de seu vinho.
Acertei o meu caminho.

 Cora Coralina

terça-feira, 5 de julho de 2016

Maria Dilar Fado Negro Negro Fado

Não te fies no tempo, nem da eternidade


Não te fies do tempo nem da eternidade que as nuvens
 me puxam pelos vestidos, que os ventos me arrastam contra o meu desejo.
 Apressa-te, amor, que amanhã eu morro, que amanhã morro e não te vejo!

 Não demores tão longe, em lugar tão secreto
 nácar de silêncio que o mar comprime, ó lábio, limite do instante absoluto!
 Apressa-te, amor, que amanhã eu morro, que amanhã morro e não te escuto!

 Aparece-me agora, que ainda reconheço a anémona aberta na tua face
 e em redor dos muros o vento inimigo...
 Apressa-te, amor, que amanhã eu morro, que amanhã morro e não te digo...

 Cecília Meireles,

quarta-feira, 29 de junho de 2016

Invento ao vento

Invento ao vento
 Vento frio como acorde de acordeon
 rasga a madrugada de silêncio, arrepiando desalinhadas memórias.

Vento com chuva percorre a rua
 derramando-se sinuosamente, ondulando cascatas de folhas,
 abstracto corpo dançando, que a noite vai devorando...

 Por quem lamenta este vento, inquieto visitante nocturno
 que na janela vem bater?
Vento na pele arrepia, agita sentimentos como folhas

 Então invento o momento, o calor, invento o prazer,
 a saudade, invento palavras, um poema, e todos os dias para te amar


 sonia schmorantz

quarta-feira, 22 de junho de 2016

Musica de fogo...


Música do fogo, tu não soubeste tocar.
 Lançaste sobre a minha casa um pano negro
 O que é este opaco em toda a parte?
 É o opaco que tapou o meu céu.
 O que é este silêncio em toda a parte?
 É o silencio que calou o meu canto.

 Henri Michaux

sexta-feira, 17 de junho de 2016

Saudade...




Faz  da tua ausência o bastante
 para que alguém sinta tua falta
 mas não a prolongues demais
 para que esse alguém
 não aprenda a viver sem ti.

Desconhecido

quarta-feira, 15 de junho de 2016

Estrela!


Que a Tua estrela nos encontre
 disponíveis para a viagem
 mesmo sem que percebamos tudo
 Que o seu brilho nos torne pacientes
 Com as coisas não resolvidas do nosso coração
 E nos ajude a amar as difíceis questões
 Que por vezes a noite, por vezes o dia
 Segredam pelo tempo fora

 Que a tua estrela nos faça reconhecer
 Que nunca é tarde
 Para que se tornem de novo ágeis e sonhadores
Os nossos passos cansados
 Pois nós próprios nos tornamos em estrelas
 Quando arriscamos perpetuar
A Tua luz multiplicada

 José Tolentino Mendonça

segunda-feira, 13 de junho de 2016

Obrigada !




Obrigada, por seres a linda melodia
 a quebrar o triste silêncio do meu coração...
 PSilva

terça-feira, 7 de junho de 2016

Não importa...


Não importa se a estação do ano muda...
 Se o século vira, se o milénio é outro.
 Se a idade aumenta...
 Conserva a vontade de viver,
 Não se chega a parte alguma sem ela.

 Fernando Pessoa

quarta-feira, 1 de junho de 2016

SEM RAZÃO - Maria Dilar

"A Razão e a Paixão são o leme e as velas da alma navegante.
 Sem ambos, ficarias à deriva ou parado no meio do mar.
 Se a Razão governar sozinha, será uma força limitadora.
 E uma Paixão Ignorada é uma chama que arde até sua própria destruição."
 Khalil Gibran

terça-feira, 31 de maio de 2016

Se houver um Céu dos Cães...


«Se houver, como dizem que há, um Céu dos Cães, é lá que quero ter assento, a ver a luz a minguar no horizonte, com a sua palidez de crepúsculo num retrato da infância. Hei-de então bater à porta e pedir para entrar, e sei que eles virão, contentes e leves, receber-me como se o tempo tivesse ficado quieto nos relógios e houvesse apenas lugar para a ternura, carícia lenta a afagar o pêlo molhado pela chuva. Então poderemos voltar a falar de felicidade e de mim não me importarei que digam: teve vida de cão, por amor aos cães. »

 Amados Cães de- José Jorge Letria

quinta-feira, 26 de maio de 2016

Para não deixar de amar-te nunca...


Saberás que não te amo e que te amo
 pois que de dois modos é a vida
 a palavra é uma asa do silêncio
o fogo tem a sua metade de frio.
 Amo-te para começar a amar-te
 para recomeçar o infinito
 e para não deixar de amar-te nunca:
 por isso não te amo ainda.
 Amo-te e não te amo
 como se tivesse nas minhas mãos
 a chave da felicidade e um incerto destino infeliz
O meu amor tem duas vidas para amar-te.
 Por isso te amo quando não te amo
 e por isso te amo quando te amo.

 Pablo Neruda,

sábado, 21 de maio de 2016

Reflexo ...


Se sou amado
 quanto mais amado
 mais correspondo ao amor.
 Se sou esquecido
 devo esquecer também
 Pois amor é feito espelho
:tem que ter reflexo.

 Pablo Neruda

sábado, 14 de maio de 2016

O meu coração perdi-o...


O meu coração eu perdi-o
 Não era meu entreguei-o
 Às tristes águas do rio
 Para o levar ao teu seio

 E o rio que ao longe chora
 Foi-to levar a correr
 E por mais que eu faça, agora
 Já não o sinto bater.

 Meu coração descontente
 Meu coração sofredor
 Lancei-o à água corrente
 Para o levar ao meu amor

 E o meu amor que sorria
 Como uma rosa em botão
 Chora desde aquele dia
 Em que viu o meu coração.

 Alfredo Brochado


sexta-feira, 13 de maio de 2016

Não sei...


Não sei nem mais dizer
 O que sinto por você...
Se é amor...
 Se é amizade...
 Se é paixão...
Mas suspeito fortemente
 Que seja tudo isso junto!

 Augusto Branco

segunda-feira, 2 de maio de 2016

Quero...

Quero
Nos teus quartos forrados de luar
Onde nenhum dos meus gestos faz barulho
 Voltar.
 E sentar-me um instante
 Na beira da janela contra os astros
E olhando para dentro contemplar-te,
Tu dormindo antes de jamais teres acordado,
Tu como um rio adormecido e doce
Seguindo a voz do vento e a voz do mar
Subindo as escadas que sobem pelo ar.

 Sophia de Mello Breyner Andresen

sexta-feira, 29 de abril de 2016

Adagio - Sarah Brightman

A Inigualável


Ai, como eu te queria toda de violetas
 E flébil de cetim... Teus dedos longos, de marfim,
 Que os sombreassem jóias pretas...
 E tão febril e delicada Que não pudesses dar um passo
 Sonhando estrelas, transtornada
Com estampas de cor no regaço...
 Queria-te nua e friorenta, Aconchegando-te em zibelinas
 Sonolenta, Ruiva de éteres e morfinas...
 Ah! que as tuas nostalgias fôssem guisos de prata
 Teus frenesis, lantejoulas; E os ócios em que estiolas,
 Luar que se desbarata... Teus beijos, queria-os de tule
Transparecendo carmim - Os teus espasmos, de seda...
 Água fria e clara numa noite azul,
 Água, devia ser o teu amor por mim...

 Mário de Sá-Carneiro, in 'Indícios de Oiro'

domingo, 24 de abril de 2016

Silenciosas lembranças


De que são feitos os dias?
 De pequenos desejos
Vagarosas saudades
 Silenciosas lembranças.
 Entre mágoas sombrias
 Momentâneos lampejos
 Vagas felicidades

 Inatuais esperanças.
 De loucuras, de crimes
De pecados, de glórias
 Do medo que encadeia
 Todas essas mudanças.

 Dentro deles vivemos
 Dentro deles choramos
 Em duros desenlaces
 E em sinistras alianças.

Cecília Meireles

sexta-feira, 22 de abril de 2016

Em teu corpo, farei uma sinfonia musical...



Nas cinco oitavas do piano
Eu tocarei você,
Como um pianista, toca uma musica imortal
E nas sete notas, que estão escondidas  em teu corpo
Farei uma sinfonia musical



 Palavras de Sandro kretus
 Foto- Dmitry Rogozhkin

segunda-feira, 18 de abril de 2016

A Dançarina do Abismo.


Liberdade é quando sinto
corpo e a alma despidos de pudores
 é quando posso voar
 dar asas á imaginação
 libertar os sentidos abraçar o espaço do nada
 e me sentir invadida pelo tudo
 deixar o vento acariciar a pele
despenteando os cabelos
 embalada pelo som do silêncio
 estar a beira do abismo
e dançar, dançar...

 Júlia

sexta-feira, 15 de abril de 2016

Algemas - Maria Dilar


Escravos errantes da vida
 E da angustia de viver
Somos a imagem esbatida
 Do que nós quisemos ser
 Corta-se embora à corrente
 Que nos prende ao que é vulgar
 E afinal tudo é diferente
 Do que queremos alcançar

 Sem saber porque vivemos
 No mistério de existir
Nem mesmo ao sorrir esquecemos
 A mentira que é sorrir
 Desde sempre que conheço
 Porque a vida me ensinou
Que o riso é sempre o começo
 Do sorriso que findou

 Prendo o mundo nos meus braços
 Quando me abraças nos teus
 E por momentos escassos
 A terra dá-nos os céus
 A vida fica suspensa
 No nada que a fez nascer
 E esse nada recompensa
 Na tortura de viver

 Álvaro Duarte Simões

quarta-feira, 13 de abril de 2016

Meu pé de romã ...


Lindo, com folhagens exuberantes
 As flores desabrochando em cachos
 Os frutos sendo formados um a um
 E os pássaros de galho em galho
De flor em flor Á tarde e pela manhã
 A cantar, a pular, a brincar
 No meu encantado pé de romã.
 Romanzeiro que mais parece
Uma árvore de natal
 Com seus frutos multicores
 Às vezes pardos, outras vezes amarelados
E também verdes e avermelhados.
 Quando pequenos; bem fechados
Quando maduros; explodindo em frestas
Mostram suas sementes vermelhas e inchadas
Que soltam o néctar suave e adocicado
 A alimentar os passarinhos
E fazer bem aos vizinhos.
 Oh! Meu pé de romã
Planta nobre e singela
 Da natureza a mais bela
Uma árvore colorida
Que faz sentir bem às gargantas
 Faz soar a mais fina voz.
Não saia do meio de nós!...

Rosa Ângela Falqueto

terça-feira, 12 de abril de 2016

Enya - Only Time (Tradução)


O tempo não para.
Só a saudade é que faz as coisas
pararem no tempo...

QUANDO...


Quando o meu corpo apodrecer e eu for morta
 Continuará o jardim, o céu e o mar,
 E como hoje igualmente hão-de bailar
 As quatro estações à minha porta.
 Outros em Abril passarão no pomar
 Em que eu tantas vezes passei,
 Haverá longos poentes sobre o mar
 Outros amarão as coisas que eu amei.
 Será o mesmo brilho, a mesma festa,
 Será o mesmo jardim à minha porta,
 E os cabelos doirados da floresta,
 Como se eu não estivesse morta.

 Sophia de Mello Breyner Andresen,

quinta-feira, 7 de abril de 2016

A minha casa...


Senhor, ajudai-nos a construir a nossa casa
 Com janelas de aurora e árvores no quintal
 Árvores que na primavera fiquem cobertas de flores
 E ao crepúsculo fiquem cinzentas
 como a roupa dos pescadores.
 O que desejo é apenas uma casa.
 Em verdade, Não é necessário que seja azul
 nem que tenha cortinas de rendas.
 Em verdade, nem é necessário que tenha cortinas.
 Quero apenas uma casa em uma rua sem nome.
 Sem nome, porém honrada
 Senhor. Só não dispenso a árvore
 Porque é a mais bela coisa que nos deste e a menos amarga.
 Quero de minha janela sentir os ventos pelos caminhos
   E ver o sol.....

 Manoel Barros

Maria Dilar - Casinha Pequenina

domingo, 3 de abril de 2016

Apesar das ruinas...


Apesar das ruínas e da morte
 Onde sempre acabou cada ilusão
 A força dos meus sonhos é tão forte,Que de tudo renasce a exaltação
 E nunca as minhas mãos ficam vazias.

 Sophia de Mello Breyner Andresen,

quinta-feira, 31 de março de 2016

Livro mágico...


Eu tenho comigo, um livro mágico
 onde eu guardo meus tesouros mais bonitos.
 Tudo aquilo que eu aprendi com a vida
 tudo o que eu ganhei com o tempo
 e que vento nenhum leva.
Guardo as memórias que me trazem riso
 as pessoas que tocaram minha alma
 e que, de alguma forma, me mudaram para melhor.
 Guardo também a infância toda tingida de giz.
 Tinha jeito de arco-íris a minha.

 Caio Fernando Abreu

terça-feira, 29 de março de 2016

Besame Mucho Cesaria Evora


Quero olhar teus olhos, ver teu rosto, sempre que estiver afim.
 Quero beijar a tua boca mesmo que o céu desabe inteiro sobre mim.
 Me abrace forte,
 Como se fosse nossa última vez
Me deixe respirar, o quanto eu puder, ao teu lado.

 Anónimo

sexta-feira, 25 de março de 2016

Para atravessar contigo o deserto do mundo...


Para atravessar contigo o deserto do mundo
 Para enfrentarmos juntos o terror da morte
 Para ver a verdade para perder o medo
 Ao lado dos teus passos caminhei
 Por ti deixei meu reino meu segredo
 Minha rápida noite meu silêncio
 Minha pérola redonda e seu oriente
 Meu espelho minha vida minha imagem
 E abandonei os jardins do paraíso
 Cá fora à luz sem véu do dia duro
 Sem os espelhos vi que estava nua
 E ao descampado se chamava tempo
 Por isso com teus gestos me vestiste
 E aprendi a viver em pleno vento

 Sophia de Mello Breyner Andresen