sexta-feira, 27 de novembro de 2015

SAUDADES...


Leva este ramo, Pepita, de saudades portuguesas; é flor nossa, e tão bonita não na há outras devesas. Seu perfume não seduz não tem variado matiz, vive à sombra, foge à luz, as glórias d’amor não diz; mas na modesta beleza de sua melodia é tão suave tristeza, inspira tal simpatia!… E tem um dote esta flor que de outra igual não se diz: não perde vício ou frescor quando a tiram da raiz. Antes mais e mais floresce com tudo o que as outras mata; até às vezes mais cresce na terra que é mais ingrata. Só tem um cruel senão, que te não devo esconder: plantada no coração, toda outra flor faz morrer. E, se o quebra e despedaça com as raízes mofinas, mais ela tem brilho e graça, é como a flor das ruínas. Não, Pepita, não ta dou… Fiz mal em dar-te essa flor, que eu sei o que me custou tratá-la com tanto amor.

Almeida Garrett

quinta-feira, 26 de novembro de 2015

TUDO O QUE EU SOU....


Eu triste sou calada
Eu brava sou estúpida
 Eu lúcida sou chata
Eu gata sou esperta
Eu cega sou vidente
 Eu carente sou insana
 Eu malandra sou fresca
 Eu seca sou vazia
 Eu fria sou distante
Eu quente sou oleosa
Eu prosa sou tantas
 Eu santa sou gelada
 Eu salgada sou crua
 Eu pura sou tentada
Eu sentada sou alta
 Eu jovem sou donzela
Eu bela sou fútil
Eu útil sou boa
 Eu à toa sou tua

. Martha Medeiros

sábado, 21 de novembro de 2015

Procurei as tuas mãos...


A minha vida toda eu andei procurando as tuas mãos
 Subi muitas escadas, cruzei os recifes,
 os trens me transportaram, as águas me trouxeram
e na pele das uvas achei que te tocava
De repente a madeira me trouxe o teu contacto
 a amêndoa me anunciava suavidades secretas
 até que as tuas mãos envolveram meu peito
 e ali como duas asas repousaram da viagem.

Pablo Neruda

sexta-feira, 20 de novembro de 2015

CABELOS ao VENTO....


Linda menina
 Quando jogas teus cabelos ao vento
 É pura magia
 E harmoniza o meu pensamento
 Deslizando sobre as ondas do mar
 Ela conhece e sabe o segredo
 É nativa da beira do mar
 Sonha com as ondas...

 Desconhecido

quarta-feira, 18 de novembro de 2015

DESPEDIDA...


Por mim, e por vós, e por mais aquilo
 que está onde as outras coisas nunca estão
 deixo o mar bravo e o céu tranquilo: quero solidão.
 Meu caminho é sem marcos nem paisagens.
 E como o conheces? - me perguntarão.
 - Por não ter palavras, por não ter imagens.
 Nenhum inimigo e nenhum irmão.
 Que procuras? - Tudo. Que desejas? - Nada.
 Viajo sozinha com o meu coração.
 Não ando perdida, mas desencontrada.
 Levo o meu rumo na minha mão.
 A memória voou da minha fronte.
 Voou meu amor, minha imaginação...
 Talvez eu morra antes do horizonte.
 Memória, amor e o resto onde estarão?
 Deixo aqui meu corpo, entre o sol e a terra.
 (Beijo-te, corpo meu, todo desilusão!
 Estandarte triste de uma estranha guerra...)
 Quero solidão.

 Cecília Meireles

segunda-feira, 16 de novembro de 2015

Canção de Outono...


Perdoa-me, folha seca, não posso cuidar de ti.
 Vim para amar neste mundo, e até do amor me perdi
 De que serviu tecer flores pelas areias do chão
 se havia gente dormindo sobre o próprio coração?
 E não pude levantá-la!
 Choro pelo que não fiz.
 E pela minha fraqueza é que sou triste e infeliz.
Perdoa-me, folha seca!
 Meus olhos sem força estão velando e rogando
aqueles que não se levantarão...
 Tu és folha de outono voante pelo jardim.
 Deixo-te a minha saudade - a melhor parte de mim.
 E vou por este caminho, certa de que tudo é vão.
 Que tudo é menos que o vento
 menos que as folhas do chão...

 Cecília Meireles

quinta-feira, 12 de novembro de 2015

... Batem leve as gotas de chuva...


No sorriso louco das mães batem as leves gotas de chuva.
 Nas amadas caras loucas batem e batem os dedos amarelos das candeias.
 Que balouçam. Que são puras. Gotas e candeias puras.
 E as mães aproximam-se soprando os dedos frios.
 Seu corpo move-se pelo meio dos ossos filiais
, pelos tendões e órgãos mergulhados, e as calmas
mães intrínsecas sentam-se nas cabeças filiais.
 Sentam-se, e estão ali num silêncio demorado
 e apressado, vendo tudo, e queimando as imagens
alimentando as imagens, enquanto o amor é cada vez mais forte.
 E bate-lhes nas caras, o amor leve.
 O amor feroz. E as mães são cada vez mais belas.
 Pensam os filhos que elas levitam.
Flores violentas batem nas suas pálpebras.
 Elas respiram ao alto e em baixo. São silenciosas.
 E a sua cara está no meio das gotas particulares da chuva, em volta das candeias.
 No contínuo escorrer dos filhos.
As mães são as mais altas coisas que os filhos criam
porque se colocam na combustão dos filhos.
 Porque os filhos são como invasores dentes-de-leão no terreno das mães.
 E as mães são poços de petróleo nas palavras dos filhos
, e atiram-se, através deles, como jactos para fora da terra.
 E os filhos mergulham em escafandros no interior
 de muitas águas, e trazem as mães como polvos
 embrulhados nas mãos e na agudez de toda a sua vida.
 E o filho senta-se com a sua mãe à cabeceira da mesa
 e através dele a mãe mexe aqui e ali, nas chávenas e nos garfos.
 E através da mãe o filho pensa que nenhuma morte
 é possível e as águas estão ligadas entre si
 por meio da mão dele que toca a cara louca da mãe
 que toca a mão pressentida do filho.
 E por dentro do amor, até somente ser possível amar tudo
 e ser possível tudo ser reencontrado por dentro do amor.

 Herberto Hélder

terça-feira, 10 de novembro de 2015

Menina sonhadora...


Talvez eu seja a menina sonhadora
 Que vocês não conhecem
 Ou até mesmo a menina delicada
 Que vocês nunca viram
 Ou a menina colorida
 Do mundinho preto e branco
 A menina que sabe a fórmula
Mas não tem o dom de amar
 Se por trás de toda folha
 Há uma gota
 Se em cada flor
 Há uma borboleta
 Se existe em todo campo
 Um singelo beija-flor
 Por trás da minha tristeza
 O arco-íris do amor

Amanda Barbosa

sexta-feira, 6 de novembro de 2015

Eu sou aquela mulher...


Eu sou aquela mulher
que formou uma família através da força do amor
 eu sou aquela mulher que gerou um filho lindo
 através do milagre da vida.

 Eu sou principalmente aquela
 valente mulher que vive o plano
mais lindo que Deus tem para cada ser humano
graças á minha coragem de renuncia...
 e os planos de Deus nunca falha!

 Mara Chan.

segunda-feira, 2 de novembro de 2015

SONETO ANTIGO


Responder a perguntas não respondo.
 Perguntas impossíveis não pergunto.
 Só do que sei de mim aos outros conto:
 de mim, atravessada pelo mundo.

 Toda a minha experiência, o meu estudo
 sou eu mesma que, em solidão paciente
 recolho do que em mim observo e escuto muda lição
 que ninguém mais entende.

 O que sou vale mais do que o meu canto
Apenas em linguagem vou dizendo
caminhos invisíveis por onde ando.
 Tudo é secreto e de remoto exemplo.
Todos ouvimos, longe, o apelo do Anjo.
E todos somos pura flor de vento.

Cecília Meireles