terça-feira, 27 de dezembro de 2016

Passagem do Ano...


O último dia do ano
 Não é o último dia do tempo.
 Outros dias virão
 E novas coxas e ventres te comunicarão o calor da vida.
 Beijarás bocas, rasgarás papéis,
Farás viagens e tantas celebrações
De aniversário, formatura, promoção
 glória, doce morte com sinfonia
 E coral
 Que o tempo ficará repleto e não ouvirás o clamor
 Os irreparáveis uivos
 Do lobo, na solidão.
 O último dia do tempo
Não é o último dia de tudo.
Fica sempre uma franja de vida
 Onde se sentam dois homens.
 Um homem e seu contrário
 Uma mulher e seu pé
 Um corpo e sua memória
 Um olho e seu brilho
 Uma voz e seu eco.
E quem sabe até se Deus...
Recebe com simplicidade este presente do acaso
 Mereceste viver mais um ano...

Carlos Drummond de Andrade 

quinta-feira, 22 de dezembro de 2016

Sissel Kyrkjebø - Sancta Maria - 2005



Até um ateu dos "quatro costados"
 ficará com dúvidas
sobre a não existência de Deus,
durante estes três minutos e meio.

 Festas felizes para todos

 ateus, agnósticos, crentes e afins.

quinta-feira, 15 de dezembro de 2016

NATAL....


Natal... Na província neva.
 Nos lares aconchegados,
 Um sentimento conserva
 Os sentimentos passados

. Coração oposto ao mundo
 Como a família é verdade!
 Meu pensamento é profundo
 Estou só e sonho saudade.

 E como é branca de graça
 A paisagem que não sei,
 Vista de trás da vidraça
 Do lar que nunca terei!

 (Fernando Pessoa)

sexta-feira, 9 de dezembro de 2016

Retábulo (1954)


Estranho Menino Deus é o dum poeta!
 O que nasce e renasce há muitos anos
 Na minha noite de Natal, fingida
 Mal corresponde à imagem conhecida
 Das sucursais do berço de Belém
. É uma criança tímida que vem
 Visitar os meus sonhos, e, ao de leve
Com mãos discretas, tece
 Um poema de neve
 Onde depois se deita e adormece.

Miguel Torga
foto-google

sábado, 3 de dezembro de 2016

Chantal Chamberland - Besame Mucho

Mistério


Gosto de ti, ó chuva, nos beirados,
 Dizendo coisas que ninguém entende!
 Da tua cantilena se desprende
Um sonho de magia e de pecados
 Dos teus pálidos dedos delicados
 Uma alada canção palpita e ascende
 Frases que a nossa boca não aprende
 Murmúrios por caminhos desolados.
 Pelo meu rosto branco, sempre frio
Fazes passar o lúgubre arrepio

 Das sensações estranhas, dolorosas…
 Talvez um dia entenda o teu mistério…
Quando, inerte, na paz do cemitério
O meu corpo matar a fome às rosas!

 Florbela Espanca
foto-google