domingo, 27 de dezembro de 2015

Vestido Vermelho...



Hoje eu acordei tão certa de tudo.
 Sabe quando você se sente bem?
 Diferente!
 Um vestido,um batom,e pronto...
 Posso hoje enfrentar um mundo.
 Mas o que eu quero mesmo é aproveitar.
 Gosto desse momento, em que não tenho medo de me olhar.
 Estou plena de mim...
 E quando estou assim
, Sou tudo.

 Patty Vicensotti

quarta-feira, 23 de dezembro de 2015

Solidão...


"Fiquei sozinha um domingo inteiro.
 Não telefonei para ninguém e ninguém me telefonou.
 Estava totalmente só.
 Fiquei sentada num sofá com o pensamento livre. 
Mas no decorrer desse dia até a hora de dormir
 tive umas três vezes um súbito reconhecimento
 de mim mesma e do mundo que me assombrou
 e me fez mergulhar em profundezas obscuras
 de onde saí para uma luz de ouro.
 Era o encontro do eu com o eu.
 A solidão é um luxo.

 Clarice Lispector

domingo, 20 de dezembro de 2015

Pudesse eu não ter laços ...


Pudesse eu não ter laços nem limites
 Ó vida de mil faces transbordantes
 Para poder responder aos teus convites
 Suspensos na surpresa dos instantes!

 Sophia de Mello Breyner Andresen

sexta-feira, 18 de dezembro de 2015

Sem remédio...


Aqueles que me têm muito amor
 Não sabem o que sinto e o que sou...
Não sabem que passou, um dia a dor
 À minha porta e, nesse dia, entrou
 E é desde então que eu sinto este pavor
 Este frio que anda em mim, e que gelou
 O que de bom me deu Nosso Senhor!
Se eu nem sei por onde ando e onde vou!!
 Sinto os passos de Dor, essa cadência
Que é já tortura infinda, que é demência!
Que é já vontade doida de gritar!
 E é sempre a mesma mágoa, o mesmo tédio
 A mesma angústia funda, sem remédio
 Andando atrás de mim, sem me largar!

 Florbela Espanca

quarta-feira, 16 de dezembro de 2015

AMOR SEM FIM...


Meu amor queria ser irracional
Ver você nas asas de gato
Mas gatos não têm asas?
 Você me questionaria
 O amor não tem lógica de existir...
 Quero dançar um balé inventado
Sem nomes complicados
 Sem pontas de pés e sapatilhas
 Quero unhas em minhas costas
 Palavrões num sussurrar de prazer
 Suores emanados pelo ar
 E tendo você a tremer por ter me amado
 Quero amar você...
 Sei que ai é o seu lugar
Mas sei que meu coração fica vazio sem você
Venha sentada num gato alado
 O seu lugar ocupar...

 André Zanarella

segunda-feira, 14 de dezembro de 2015

Dai-me flores...


Dá-me lírios, lírios
 E rosas também.
 Mas se não tens lírios
 Nem rosas a dar-me
 Tem vontade ao menos
 De me dar os lírios
 E também as rosas
 Basta-me a vontade
 Que tens, se a tiveres
 De me dar os lírios
 E as rosas também,
E terei os lírios — Os melhores lírios
 — E as melhores rosas
 Sem receber nada.
A não ser a prenda
Da tua vontade
 De me dares lírios
 E rosas também

. Álvaro de Campos

domingo, 13 de dezembro de 2015

OLHAR...


Quando eu for, um dia desses
 Poeira ou folha levada
 No vento da madrugada
 Serei um pouco do nada
 Invisível, delicioso
 Que faz com que o teu ar
Pareça mais um olhar
 Suave mistério amoroso
 Cidade de meu andar
 (Deste já tão longo andar!)
 E talvez de meu repouso...

 Mario Quintana

quinta-feira, 10 de dezembro de 2015

EU AMO TUDO O QUE FOI ...


Eu amo tudo o que foi
Tudo o que já não é
A dor que já me não dói
A antiga e errónea fé
 O ontem que a dor deixou,
 O que deixou alegria
 Só porque foi, e voou
 E hoje é já outro dia.

 Fernando Pessoa

terça-feira, 8 de dezembro de 2015

Tu tens um medo...


Tu tens um medo: Acabar.
 Não vês que acabas todo o dia.
 Que morres no amor.
 Na tristeza. Na dúvida.
 No desejo. Que te renovas todo o dia.
 No amor. Na tristeza.
 Na dúvida. No desejo.
 Que és sempre outro.
 Que és sempre o mesmo.
 Que morrerás por idades imensas
. Até não teres medo de morrer.
 E então serás eterno.

 Cecília Meireles

sábado, 5 de dezembro de 2015

Ausência...


Por muito tempo achei que a ausência é falta.
E lastimava, ignorante, a falta
Hoje não a lastimo.
Não há falta na ausência.
A ausência é um estar em mim.
E sinto-a, branca, tão pegada, aconchegada nos meus braços
que rio e danço e invento exclamações alegres
porque a ausência, essa ausência assimilada
 ninguém a rouba mais de mim...

 Carlos Drummond de Andrade

quinta-feira, 3 de dezembro de 2015

As sem razões do amor


Eu te amo porque te amo
 Não precisas ser amante
e nem sempre sabes sê-lo
Eu te amo porque te amo.
Amor é estado de graça
 e com amor não se paga.
 Amor é dado de graça
é semeado no vento, na cachoeira
no eclipse.
Amor foge a dicionários e a regulamentos vários.
 Eu te amo porque não amo bastante ou demais a mim.
 Porque amor não se troca, não se conjuga nem se ama.
 Porque amor é amor a nada, feliz e forte em si mesmo.
 Amor é primo da morte, e da morte vencedor
 por mais que o matem (e matam) a cada instante de amor.

 Carlos Drummond de Andrade

terça-feira, 1 de dezembro de 2015

Não te fies do tempo nem da eternidade !


Não te fies do tempo nem da eternidade
que as nuvens me puxam pelos vestidos
que os ventos me arrastam contra o meu desejo.
 Apressa-te, amor, que amanhã eu morro
que amanhã morro e não te vejo!
 Não demores tão longe, em lugar tão secreto
 nácar de silêncio que o mar comprime, ó lábio
 limite do instante absoluto!
 Apressa-te, amor, que amanhã eu morro
 que amanhã morro e não te escuto!
 Aparece-me agora, que ainda reconheço
 a anémona aberta na tua face e em redor dos muros o vento inimigo...
 Apressa-te, amor, que amanhã eu morro
 que amanhã morro e não te digo...

 Cecília Meireles

sexta-feira, 27 de novembro de 2015

SAUDADES...


Leva este ramo, Pepita, de saudades portuguesas; é flor nossa, e tão bonita não na há outras devesas. Seu perfume não seduz não tem variado matiz, vive à sombra, foge à luz, as glórias d’amor não diz; mas na modesta beleza de sua melodia é tão suave tristeza, inspira tal simpatia!… E tem um dote esta flor que de outra igual não se diz: não perde vício ou frescor quando a tiram da raiz. Antes mais e mais floresce com tudo o que as outras mata; até às vezes mais cresce na terra que é mais ingrata. Só tem um cruel senão, que te não devo esconder: plantada no coração, toda outra flor faz morrer. E, se o quebra e despedaça com as raízes mofinas, mais ela tem brilho e graça, é como a flor das ruínas. Não, Pepita, não ta dou… Fiz mal em dar-te essa flor, que eu sei o que me custou tratá-la com tanto amor.

Almeida Garrett

quinta-feira, 26 de novembro de 2015

TUDO O QUE EU SOU....


Eu triste sou calada
Eu brava sou estúpida
 Eu lúcida sou chata
Eu gata sou esperta
Eu cega sou vidente
 Eu carente sou insana
 Eu malandra sou fresca
 Eu seca sou vazia
 Eu fria sou distante
Eu quente sou oleosa
Eu prosa sou tantas
 Eu santa sou gelada
 Eu salgada sou crua
 Eu pura sou tentada
Eu sentada sou alta
 Eu jovem sou donzela
Eu bela sou fútil
Eu útil sou boa
 Eu à toa sou tua

. Martha Medeiros

sábado, 21 de novembro de 2015

Procurei as tuas mãos...


A minha vida toda eu andei procurando as tuas mãos
 Subi muitas escadas, cruzei os recifes,
 os trens me transportaram, as águas me trouxeram
e na pele das uvas achei que te tocava
De repente a madeira me trouxe o teu contacto
 a amêndoa me anunciava suavidades secretas
 até que as tuas mãos envolveram meu peito
 e ali como duas asas repousaram da viagem.

Pablo Neruda

sexta-feira, 20 de novembro de 2015

CABELOS ao VENTO....


Linda menina
 Quando jogas teus cabelos ao vento
 É pura magia
 E harmoniza o meu pensamento
 Deslizando sobre as ondas do mar
 Ela conhece e sabe o segredo
 É nativa da beira do mar
 Sonha com as ondas...

 Desconhecido

quarta-feira, 18 de novembro de 2015

DESPEDIDA...


Por mim, e por vós, e por mais aquilo
 que está onde as outras coisas nunca estão
 deixo o mar bravo e o céu tranquilo: quero solidão.
 Meu caminho é sem marcos nem paisagens.
 E como o conheces? - me perguntarão.
 - Por não ter palavras, por não ter imagens.
 Nenhum inimigo e nenhum irmão.
 Que procuras? - Tudo. Que desejas? - Nada.
 Viajo sozinha com o meu coração.
 Não ando perdida, mas desencontrada.
 Levo o meu rumo na minha mão.
 A memória voou da minha fronte.
 Voou meu amor, minha imaginação...
 Talvez eu morra antes do horizonte.
 Memória, amor e o resto onde estarão?
 Deixo aqui meu corpo, entre o sol e a terra.
 (Beijo-te, corpo meu, todo desilusão!
 Estandarte triste de uma estranha guerra...)
 Quero solidão.

 Cecília Meireles

segunda-feira, 16 de novembro de 2015

Canção de Outono...


Perdoa-me, folha seca, não posso cuidar de ti.
 Vim para amar neste mundo, e até do amor me perdi
 De que serviu tecer flores pelas areias do chão
 se havia gente dormindo sobre o próprio coração?
 E não pude levantá-la!
 Choro pelo que não fiz.
 E pela minha fraqueza é que sou triste e infeliz.
Perdoa-me, folha seca!
 Meus olhos sem força estão velando e rogando
aqueles que não se levantarão...
 Tu és folha de outono voante pelo jardim.
 Deixo-te a minha saudade - a melhor parte de mim.
 E vou por este caminho, certa de que tudo é vão.
 Que tudo é menos que o vento
 menos que as folhas do chão...

 Cecília Meireles

quinta-feira, 12 de novembro de 2015

... Batem leve as gotas de chuva...


No sorriso louco das mães batem as leves gotas de chuva.
 Nas amadas caras loucas batem e batem os dedos amarelos das candeias.
 Que balouçam. Que são puras. Gotas e candeias puras.
 E as mães aproximam-se soprando os dedos frios.
 Seu corpo move-se pelo meio dos ossos filiais
, pelos tendões e órgãos mergulhados, e as calmas
mães intrínsecas sentam-se nas cabeças filiais.
 Sentam-se, e estão ali num silêncio demorado
 e apressado, vendo tudo, e queimando as imagens
alimentando as imagens, enquanto o amor é cada vez mais forte.
 E bate-lhes nas caras, o amor leve.
 O amor feroz. E as mães são cada vez mais belas.
 Pensam os filhos que elas levitam.
Flores violentas batem nas suas pálpebras.
 Elas respiram ao alto e em baixo. São silenciosas.
 E a sua cara está no meio das gotas particulares da chuva, em volta das candeias.
 No contínuo escorrer dos filhos.
As mães são as mais altas coisas que os filhos criam
porque se colocam na combustão dos filhos.
 Porque os filhos são como invasores dentes-de-leão no terreno das mães.
 E as mães são poços de petróleo nas palavras dos filhos
, e atiram-se, através deles, como jactos para fora da terra.
 E os filhos mergulham em escafandros no interior
 de muitas águas, e trazem as mães como polvos
 embrulhados nas mãos e na agudez de toda a sua vida.
 E o filho senta-se com a sua mãe à cabeceira da mesa
 e através dele a mãe mexe aqui e ali, nas chávenas e nos garfos.
 E através da mãe o filho pensa que nenhuma morte
 é possível e as águas estão ligadas entre si
 por meio da mão dele que toca a cara louca da mãe
 que toca a mão pressentida do filho.
 E por dentro do amor, até somente ser possível amar tudo
 e ser possível tudo ser reencontrado por dentro do amor.

 Herberto Hélder

terça-feira, 10 de novembro de 2015

Menina sonhadora...


Talvez eu seja a menina sonhadora
 Que vocês não conhecem
 Ou até mesmo a menina delicada
 Que vocês nunca viram
 Ou a menina colorida
 Do mundinho preto e branco
 A menina que sabe a fórmula
Mas não tem o dom de amar
 Se por trás de toda folha
 Há uma gota
 Se em cada flor
 Há uma borboleta
 Se existe em todo campo
 Um singelo beija-flor
 Por trás da minha tristeza
 O arco-íris do amor

Amanda Barbosa

sexta-feira, 6 de novembro de 2015

Eu sou aquela mulher...


Eu sou aquela mulher
que formou uma família através da força do amor
 eu sou aquela mulher que gerou um filho lindo
 através do milagre da vida.

 Eu sou principalmente aquela
 valente mulher que vive o plano
mais lindo que Deus tem para cada ser humano
graças á minha coragem de renuncia...
 e os planos de Deus nunca falha!

 Mara Chan.

segunda-feira, 2 de novembro de 2015

SONETO ANTIGO


Responder a perguntas não respondo.
 Perguntas impossíveis não pergunto.
 Só do que sei de mim aos outros conto:
 de mim, atravessada pelo mundo.

 Toda a minha experiência, o meu estudo
 sou eu mesma que, em solidão paciente
 recolho do que em mim observo e escuto muda lição
 que ninguém mais entende.

 O que sou vale mais do que o meu canto
Apenas em linguagem vou dizendo
caminhos invisíveis por onde ando.
 Tudo é secreto e de remoto exemplo.
Todos ouvimos, longe, o apelo do Anjo.
E todos somos pura flor de vento.

Cecília Meireles

sexta-feira, 30 de outubro de 2015

Hoje sou mais forte...


Hoje sou mais forte,mais inteira
 me libertei de tudo que um dia me incomodou
 machucou e feriu.
 Meus pés estão mais firmes
agora eu deixo o amor me conduzir
 deixo a brisa leve da sabedoria tocar meu rosto
 não olho para traz, me aconchego com aqueles que amo
 abro meu coração para aqueles
 que estão dispostos a me ouvir.
 Somos o que somos
 que haja mais sorrisos
 que o calor do sol te aqueça,
 Que o amor te envolva,
 que teu passo não esmague nem uma flor...
E que seja assim simples, mais Feliz...

 Eliana Angel Wolf

quinta-feira, 29 de outubro de 2015

A outra metade !


Que o medo da solidão se afaste
 E que o convívio comigo mesmo
 Se torne ao menos suportável;
 Que o espelho reflicta em meu rosto
 Um doce sorriso que me lembro ter dado na infância;
 Porque metade de mim é a lembrança do que fui,
 A outra metade eu não sei...

 Que não seja preciso mais
 do que uma simples alegria
 para me fazer aquietar o espírito
 E que o teu silêncio me fale cada vez mais;
 Porque metade de mim é abrigo
Mas a outra metade é cansaço...
 Que a arte nos aponte uma resposta
Mesmo que ela não saiba
E que ninguém a tente complicar
 Porque é preciso simplicidade
 para fazê-la florescer;
 Porque metade de mim é plateia
E a outra metade é canção...
 E que a minha loucura seja perdoada
 Porque metade de mim é amor
 E a outra metade... também.

 Oswaldo Montenegro

segunda-feira, 26 de outubro de 2015

Motivo


Eu canto porque o instante existe
 e a minha vida está completa.
 Não sou alegre nem sou triste: sou poeta.
 Irmão das coisas fugidias,
 não sinto gozo nem tormento.
 Atravesso noites e dias no vento.
 Se desmorono ou se edifico

 se permaneço ou me desfaço, —
não sei, não sei.
 Não sei se fico ou passo.
 Sei que canto.
 E a canção é tudo.
 Tem sangue eterno a asa ritmada.
 E um dia sei que estarei mudo: — mais nada.

 Cecília Meireles

sexta-feira, 23 de outubro de 2015

As sem-razões do amor...


Eu te amo porque te amo
 Não precisas ser amante,
 e nem sempre sabes sê-lo
. Eu te amo porque te amo.
 Amor é estado de graça
 e com amor não se paga.
 Amor é dado de graça
é semeado no vento, na cachoeira, no eclipse

Amor foge a dicionários e a regulamentos vários.
 Eu te amo porque não amo bastante ou demais a mim.
 Porque amor não se troca, não se conjuga nem se ama.
 Porque amor é amor a nada, feliz e forte em si mesmo.
 Amor é primo da morte, e da morte vencedor
 por mais que o matem (e matam) a cada instante de amor.

 Carlos Drummond de Andrade

terça-feira, 20 de outubro de 2015

Há Palavras que nos beijam...


Há palavras que nos beijam
 Como se tivessem boca.
 Palavras de amor, de esperança,
 De imenso amor, de esperança louca.

 Palavras nuas que beijas
 Quando a noite perde o rosto;
 Palavras que se recusam
 Aos muros do teu desgosto.

 De repente coloridas
 Entre palavras sem cor,
 Esperadas inesperadas
 Como a poesia ou o amor.

 (O nome de quem se ama
 Letra a letra revelado
 No mármore distraído
 No papel abandonado)

 Palavras que nos transportam
 Aonde a noite é mais forte,
 Ao silêncio dos amantes
 Abraçados contra a morte.

 Alexandre O'Neill,

domingo, 18 de outubro de 2015

Quem é que o saberá sonhar?


Como é por dentro outra pessoa
 Quem é que o saberá sonhar?
 A alma de outrem é outro universo
 Com que não há comunicação possível,
 Com que não há verdadeiro entendimento
 Nada sabemos da alma Senão da nossa;
As dos outros são olhares,
 São gestos, são palavras
 Com a suposição de qualquer semelhança
 No fundo.

 Fernando Pessoa

sexta-feira, 16 de outubro de 2015

Súplica...


Agora que o silêncio é um mar sem ondas
 E que nele posso navegar sem rumo
 Não respondas,  às urgentes perguntas
 Que te fiz.
 Deixa-me ser feliz assim
 Perde-se a vida a desejá-la tanto
 Só soubemos sofrer, enquanto
 O nosso amor  durou.

 Mas o tempo passou
 Há calmaria...
 Não perturbes a paz que me foi dada.
 Ouvir de novo a tua voz seria
 Matar a sede com água salgada.

 Miguel Torga

quinta-feira, 15 de outubro de 2015

QUERO....


Quero
 Nos teus quartos forrados de luar
 Onde nenhum dos meus gestos faz barulho
 Voltar
. E sentar-me um instante
 Na beira da janela contra os astros
 E olhando para dentro contemplar-te
 Tu dormindo antes de jamais teres acordado
 Tu como um rio adormecido e doce
 Seguindo a voz do vento e a voz do mar
 Subindo as escadas que sobem pelo ar.

 Sophia de Mello Breyner Andresen

segunda-feira, 12 de outubro de 2015

Rosa Vermelha


Trago uma rosa vermelha
aberta dentro do peito
 e já não sei se é comigo
se é contigo que me deito.
 A minha rosa vermelha
 mais parece uma romã
 pois quando aberta de noite
não se fecha de manhã.
 Trago uma rosa vermelha
na minha boca encarnada
 quem me dera ser abelha
 de tua boca fechada.
 Trago uma rosa vermelha
 não preciso de mais nada.

José Carlos Ary dos Santos

sexta-feira, 9 de outubro de 2015

Pergunto-te onde se acha a minha vida


Pergunto-te onde se acha a minha vida
. Em que dia fui eu.
 Que hora existiu formada
 de uma verdade minha bem possuída
 Vão-se as minhas perguntas
 aos depósitos do nada.
 E a quem é que pergunto?
 Em quem penso, iludida
por esperanças hereditárias?
 E de cada pergunta minha vai nascendo
 a sombra imensa que envolve
 a posição dos olhos de quem pensa.
 Já não sei mais a diferença
 de ti, de mim, da coisa perguntada
, do silêncio da coisa irrespondida.

 Cecília Meireles

terça-feira, 6 de outubro de 2015

Palavras..


Ai, palavras, ai, palavras,
 que estranha potência a vossa!
 Todo o sentido da vida
 principia à vossa porta; o mel do amor
 cristaliza seu perfume em vossa rosa;
 sois o sonho e sois a audácia
 calúnia, fúria, derrota...”

 Cecília Meireles

domingo, 4 de outubro de 2015

TERNURA...


Os braços de uma mãe são feitos de ternura
 e os filhos dormem profundamente neles.

 Victor Hugo
Foto-  Lisa Holloway

quarta-feira, 30 de setembro de 2015

Pobre velha musica


Pobre velha música!
 Não sei por que agrado
 Enche-se de lágrimas
 Meu olhar parado.
 Recordo outro ouvir-te
Não sei se te ouvi
 Nessa minha infância
 Que me lembra em ti.
 Com que ânsia tão raiva
 Quero aquele outrora!
 E eu era feliz? Não sei:
 Fui-o outrora agora.

 Fernando Pessoa,

domingo, 27 de setembro de 2015

Canção de Outono


Perdoa-me, folha seca, não posso cuidar de ti.
 Vim para amar neste mundo, e até do amor me perdi
 De que serviu tecer flores pelas areias do chão
 se havia gente dormindo sobre o próprio coração?
 E não pude levantá-la!
Choro pelo que não fiz.
E pela minha fraqueza é que sou triste e infeliz.
 Perdoa-me, folha seca!
 Meus olhos sem força estão velando
 e rogando aqueles que não se levantarão...
 Tu és folha de outono voante pelo jardim.
 Deixo-te a minha saudade - a melhor parte de mim.
 E vou por este caminho, certa de que tudo é vão.
 Que tudo é menos que o vento, menos que as folhas do chão...

Cecília Meireles
Foto -Irina Khutornaya

sábado, 19 de setembro de 2015

Inconstância...


Procurei o amor, que me mentiu.
 Pedi à Vida mais do que ela dava;
 Eterna sonhadora edificava
 Meu castelo de luz que me caiu!
 Tanto clarão nas trevas refulgiu,
 E tanto beijo a boca me queimava!
 E era o sol que os longes deslumbrava
Igual a tanto sol que me fugiu!
 Passei a vida a amar e a esquecer...
 Atrás do sol dum dia outro a aquecer
As brumas dos atalhos por onde ando...
 E este amor que assim me vai fugindo
 É igual a outro amor que vai surgindo,
 Que há-de partir também... nem eu sei quando...

Florbela Espanca

terça-feira, 15 de setembro de 2015

ROSA...


Tu és como o rosto das rosas:
diferente em cada pétala.
 Onde estava o teu perfume?
 Ninguém soube.
 Teu lábio sorriu para todos os ventos
 e o mundo inteiro ficou feliz.
 Eu, só eu, encontrei a gota de orvalho
 que te alimentava, como um segredo que cai do sonho.
 Depois, abri as mãos, - e perdeu-se.
 Agora, creio que vou morrer.

 Cecília Meireles In: Poesia Completa Viagem (1939)

sábado, 12 de setembro de 2015

SONETO ANTIGO


 Responder a perguntas não respondo
 Perguntas impossíveis não pergunto.
 Só do que sei de mim aos outros conto:
de mim, atravessada pelo mundo.
 Toda a minha experiência, o meu estudo
sou eu mesma que, em solidão paciente
 recolho do que em mim observo e escuto
 muda lição, que ninguém mais entende.
 O que sou vale mais do que o meu canto.
 Apenas em linguagem vou dizendo
 caminhos invisíveis por onde ando.
 Tudo é secreto e de remoto exemplo.
 Todos ouvimos, longe, o apelo do Anjo.
 E todos somos pura flor de vento.

 Cecília Meireles

sexta-feira, 11 de setembro de 2015

As tuas mãos...


As tuas mãos grossas veias como cordas azuis
 sobre um fundo de manchas já cor de terra
 como são belas as tuas mãos
 pelo quanto lidaram, acariciavam ou fremiam da nobre cólera dos justos...
 Porque há nas tuas mãos, meu velho pai
 essa beleza que se chama simplesmente vida.
 E, ao entardecer, quando elas repousam
 nos braços da cadeira predilecta, uma luz parece vir de dentro delas...
 Virá dessa chama que pouco a pouco
 longamente, vieste alimentando
 na terrível solidão do mundo. como quem junta gravetos
 e tenta acendê-los contra o vento?
 Ah! Como os fizestes, arder, fulgir, como o milagre de suas mãos!
 E é ainda, a vida que transfigura
 as tuas mãos nodosas... essa chama de vida
  que transcende a própria vida ...
e que os Anjos, um dia, chamarão de alma.

 Mario Quintana

sábado, 5 de setembro de 2015

Os poemas....


Os poemas são pássaros que chegam
 não se sabe de onde e pousam no livro que lês.
 Quando fechas o livro, eles alçam voo
 como de um alçapão.
 Eles não têm pouso nem porto;
 alimentam-se um instante em cada par de mãos e partem.
 E olhas, então, essas tuas mãos vazias
 no maravilhado espanto de saberes
 que o alimento deles já estava em ti...

Mario Quintana
foto- Mandy Notley

sexta-feira, 4 de setembro de 2015

Havia nesse olhar...


Havia nesse olhar
 um tanto mais de tristeza que de ironia;
 era na verdade, um olhar profundo
 e desesperadamente triste
 com o qual traduzia um desespero calado
 de certo modo irremediável e definitivo
 que já se transformara em hábito e forma.

 Herman Hesse

domingo, 30 de agosto de 2015

Mãe !


MÃE...
 São três letras apenas,
 As desse nome bendito
Três letrinhas, nada mais...
 E nelas cabe o infinito
E palavra tão pequena-confessam mesmo os ateus
 És do tamanho do céu
 E apenas menor do que Deus!

 Mario Quintana

sábado, 22 de agosto de 2015

As tuas mãos...


As tuas mãos grossas veias como cordas azuis
 sobre um fundo de manchas já cor de terra
 - como são belas as tuas mãos pelo quanto lidaram
acariciavam ou fremiam da nobre cólera dos justos...
 Porque há nas tuas mãos, meu velho pai
 essa beleza que se chama simplesmente vida.
 E, ao entardecer, quando elas repousam
 nos braços da cadeira predilecta
uma luz parece vir de dentro delas...
 Virá dessa chama que pouco a pouco, longamente
vieste alimentando na terrível solidão do mundo
como quem junta gravetos e tenta acendê-los contra o vento?
 Ah! Como os fizestes, arder, fulgir
 como o milagre de suas mãos!
 E é ainda, a vida que transfigura
as tuas mãos nodosas... essa chama de vida
 - que transcende a própria vida
 ...e que os Anjos, um dia, chamarão de alma.

 Mario Quintana
foto  Hussain Khalaf

quinta-feira, 20 de agosto de 2015

Espreitando a caça....


Parece papo medieval, mas é tão actualizado
Quanto o dia de amanhã.
 Ser caça ou caçador, essa é a sina real
Que mais parece conto
Entre quimeras e eras, papillon já nos dizia
Que a fuga e a procura são objectivos distintos
Sinónimos de esperança.
 Um de escape sem dor e o outro de conquista
Mesmo sendo ela dolente.
 Tem uma máxima que diz:
 Antes que o bicho te devore
Vá á caça...

 Almany Sol
foto  Jasna Matz 

segunda-feira, 17 de agosto de 2015

Duas caras.....


Tenho duas caras, mesmo
 Uma uso quando estou feliz
 e a outra quando estou desapontada
Na verdade, tenho medo de gente
 com uma cara só.
 Que não expressa o que sente e que sempre
está  bem com tudo.
 Gente tipo "dissimulada"


Vivian Galvão
foto Raymond Bridges                          

sexta-feira, 14 de agosto de 2015

Conquista ...


 Livre não sou
Que nem a própria vida mo consente.
 Mas a minha aguerrida Teimosia
 É quebrar dia a dia Um grilhão da corrente.
 Livre não sou, mas quero a liberdade
Trago-a dentro de mim como um destino
 E vão lá desdizer o sonho do menino
 Que se afogou e flutua
 Entre nenúfares de serenidade
 Depois de ter a lua!

 Miguel Torga,

terça-feira, 11 de agosto de 2015

Nocturno a duas vozes


— Que posso eu fazer senão beber-te os olhos
enquanto a noite não cessa de crescer?
 — Repara como sou jovem
 como nada em mim encontrou o seu cume
 como nenhuma ave poisou ainda nos meus ramos, e amo-te
 bosque, mar, constelação.
 — Não tenhas medo: nenhum rumor
 mesmo o do teu coração, anunciará a morte;
 a morte vem sempre doutra maneira
 alheia aos longos, brancos corredores da madrugada.
 — Não é de medo que tremem os meus lábios
 tremo por um fruto de lume e solidão
 que é todo o oiro dos teus olhos
 toda a luz que meus dedos têm para colher na noite.
 — Vê como brilha a estrela da manhã,
 como a terra é só um cheiro de eucaliptos
 e um rumor de água vem no vento.
 — Tu és a água, a terra, o vento
a estrela da manhã és tu ainda
. — Cala-te, as palavras doem
 Como dói um barco, como dói um pássaro ferido no limiar do dia.
Amo-te. Amo-te para que subas comigo à mais alta torre
 para que tudo em ti seja verão, dunas e mar.

 Eugénio de Andrade
foto- Adrian Line

sábado, 8 de agosto de 2015

AS MINHAS MÃOS....


As minhas mãos magritas, afiladas
 Tão brancas como a água da nascente
 Lembram pálidas rosas entornadas
 Dum regaço de Infanta do Oriente.
 Mãos de ninfa, de fada, de vidente
 Pobrezinhas em sedas enroladas
 Virgens mortas em luz amortalhadas
 Pelas próprias mãos de oiro do sol-poente.
 Magras e brancas... Foram assim feitas...
 Mãos de enjeitada porque tu me enjeitas...
 Tão doces que elas são! Tão a meu gosto!
 Pra que as quero eu - Deus! - Pra que as quero eu?
 Ó minhas mãos, aonde está o céu? ..
.Aonde estão as linhas do teu rosto?

 Florbela Espanca,
foto-Melih ERSAHIN 

quinta-feira, 6 de agosto de 2015

Queda....




Da minha ideia do mundo Cai....
 Vácuo além de profundo
Sem ter Eu nem Ali...
 Vácuo sem si-próprio, caos
 De ser pensado como ser...
 Escada absoluta sem degraus... Visão que se não pode ver...
 Além-Deus! Além-Deus!
 Negra calma...
Clarão de Desconhecido...
Tudo tem outro sentido, ó alma, Mesmo o ter-um-sentido...

Fernando Pessoa
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