domingo, 2 de agosto de 2015

Os Ombros Suportam o Mundo


Chega um tempo em que não se diz mais: meu Deus.
Tempo de absoluta depuração.
 Tempo em que não se diz mais: meu amor
 Porque o amor resultou inútil.
 E os olhos não choram.
 E as mãos tecem apenas o rude trabalho.
 E o coração está seco.
 Em vão mulheres batem à porta, não abrirás.
 Ficaste sozinho, a luz apagou-se,
Mas na sombra teus olhos resplandecem enormes.
 És todo certeza, já não sabes sofrer
 E nada esperas de teus amigos
 Pouco importa venha a velhice, que é a velhice?
Teu ombros suportam o mundo
E ele não pesa mais que a mão de uma criança
 As guerras, as fomes, as discussões
Dentro dos edifícios provam apenas
Que a vida prossegue e nem todos se libertaram ainda
Alguns, achando bárbaro o espectáculo
Prefeririam (os delicados) morrer.
Chegou um tempo em que não adianta morrer
.
Chegou um tempo em que a vida é uma ordem.
 A vida apenas, sem mistificação.

 ( Carlos Drummond de Andrade ) *

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