sexta-feira, 6 de fevereiro de 2015

Fitzcarraldo



A música amolece-lhe os ossos e o ar passa a tingi-los de verde.
 Já a deixar de ser gente, inquieta-se.
 Engolido pela paisagem,
 Conforta-o saber-se capaz de a despojar de todo o fulgor e preeminencia com o coadunar de um acorde ou dois.
 A música : uma gota de complacência no que está desguarnecido de humanidade;
Nos prados frescos onde nenhuma alma repousa;
 Onde nadam caóticas e dispersas ;
 Nos lugares onde o assassínio se comete em colectividade
 E por ser impreterível perdoa-se sozinho.
 Quem somos nós para rebater ditos fenómenos?
 Quem somos nós para os apelidar de milagres?
 Cantados, os arbustos enovelam-se à passagem;
 E as árvores despem as folhas umas das outras, em sopros de luxúria e desejo.
 Escaravelhos, hienas, abutres
 Famosos saprófagos, sem crime.
 Resta ao homem que canta tudo isto aperceber-se das distinções rígidas que a sua música vai cravando na paisagem.
 Naturalmente, aperceber-se-à do peso que acarreta o tentar-se emudecer a obscenidade dos bosques
. Se ao menos houvesse ópera na selva.

Poema de
 TIAGO SANTOS
 foto- Fred Wu

2 comentários:

  1. Obrigada pelo comentário! O poeta é um jovem de 20 anos e que eu acho de grande talento...Gostei da tua visita . volta sempre. Um Abraço!

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